.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

09/07/2012

a cela do pensamento



asako eguchi


volto a face para sul. é para lá que correm as gaivotas – no norte. a macieira do pecado resiste. a serpente cresceu. e fez-se homem pássaro. pássaro-mar. pássaro-palavra – gaivota cinzenta. malhada. dona do imenso: mar. sal. vento. e a falésia sempre a gritar por um nome que desconhecia. no eco o aparecimento de um novo mundo a dizer: voa. voa – todo o homem é feito de pecado – e os sonhos realizados. e tudo cada vez mais azul. e a estrela do mar subiu ao céu. e a água a ir e a vir. e a areia a receber as pegadas do homem que se purifica com a primeira onda da manhã – ilusão – penso. pensar é fundamental para quem escreve – penso. mas tudo é reboliço por dentro. e para fora apenas os olhos à procura de um papel em branco – depois. escrevo nada. não sou capaz de escrever o que sinto. e dentro de mim tudo por dizer – não basta pensar para escrever. há um sentir particular dentro de mim quando penso. ou talvez o contrário: o pensar é que me faz sentir. e juntos fazem-me temer esquecer quem sou no momento – quero guardar numa folha este homem que ninguém conhece – não sei se deva –  é esta a melhor maneira de guardar o que só os meus eus sentem quando penso? não sei – homem real. homem pecador – mas sinto. sinto um sofrimento por não saber escrever o que sinto. se soubesse tirar o meu coração para dentro das mãos – não sei. não posso. não sei – e as mãos sempre revistas. e os olhos a pedir para escrever tudo o que viram por dentro e por fora. e o corpo trémulo por cada palavra caída de dentro de si – sinto. sinto esta coisa de nunca ser eu quando escrevo. e tudo o que tenho para escrever não interessa a ninguém a não ser a mim – homem desapontado – que falsidade. que injustiça. que angústia. se tudo o que tenho é dos outros. se tudo o que sou é o que sinto. o que vejo. o toque da pele com pele. os beijos. os sorrisos. as lágrimas. e as vozes. as vozes que guardo nos ouvidos e os abraços que de tão apertados quase me silenciam a respiração. e as mãos amarradas a todas as mãos. como se todos fizéssemos uma corrente de ferro capaz de amarrar o mundo dentro do meu corpo – sou tanto neste silêncio imperfeito de palavras por dizer – e o mundo dos outros sempre a carregar-me as costas. e tudo parece nada. e o tempo a passar. rápido. brusco. sem piedade. agora tudo parece tudo. e eu a colher. e kant dizia que a missão do homem era saber o que precisava para ser homem. mas saber o quê. se tudo é incerto? se tudo que aprendo só me mostra o que nunca saberei. sempre que penso. sou nada. porque tudo é tanto para saber. e eu cada vez mais distante de ser homem. de ser saber. e ele volta a dizer: “a felicidade não é um ideal da razão. mas sim da imaginação” e eu cada vez mais infeliz porque tudo o que vejo é tudo menos imaginação – o que vejo é tudo real. quero acreditar. e o corpo tão pequeno para tanto. nunca descanso. nunca durmo. e o cérebro sempre a exigir mais espaço. mais saber. mais. mais. mas quanto mais sei. menos vejo. quanto mais aprendo. menos entendo. e no mais de tudo só o vazio cresce – a liberdade morre na curva de cada novo pensamento. e no que me sobra. falta-me o essencial: saber viver com o que tenho. e o pensamento. que me prometia asas. fez-se cela – tudo anda. e o corpo pede. e o cérebro exige. e mais uma chave no molhe de chaves. e mais uma porta a abrir dentro de outra porta. e outra. e outra. e tudo confuso e cada vez menos chaves para abrir tantas portas. e a confusão. e a loucura. e a dor. e os gritos que só dentro se ouvem. ecos de uma mente que se arrasta. pesada. acorrentada ao próprio saber. e depois. uma janela voltada para os quatro pontos cardeais. e as asas. sempre buscando mais vento para se manterem nas chamas. mas eu. de cabeça no ar. sinto o peso do mundo. e tudo dentro de mim a transbordar. e os olhos em compaixão. a boca a ferver. a tinta da caneta seca de tanto pensar sem nada escrever - sou tanto dos outros que de mim já não sobra nada. restam apenas ossos duros de roer – o homem sonha com liberdade. voa alto. crente de que o pensamento o leva além. mas quanto mais sobe. mais percebe que as asas são feitas de dúvidas. e o céu. antes promessa. é apenas uma miragem onde se perde para sempre – meu mundo é de quem me sabe ler

 


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