o tempo vai mudar – sinto. sinto porque
sinto. sempre senti tudo na vida. e o tempo deu-me sempre razão – sinto –
talvez me corra nas veias algum sangue de nostradamus. ou então sangue cigano.
e a sina não se encontra na leitura das mãos. mas na forma como a vida me entra
pelos olhos. pelos ouvidos. pela pele. pela forma como batem as pestanas –
sentir é saber – eu sei. sei pelo olhar. o pestanejar. o tossir. o mover do
pescoço para o lado esquerdo. quando o normal é virar para a direita. a mão que
entra no bolso. e não é o costume. o olhar para o chão. o sorriso que não o é.
o sim de não. o limpar os óculos. e todas as palavras que se usam sem servir para
coisa nenhuma. nem as enciclopédias que guardo na memória de um relógio que
nunca parou de trabalhar – e o tic tac a rasgar carne. a tentar chegar à
superfície para respirar. por dentro é só dor – tudo o que me chega serve para
fazer do amanhã uma certeza – sei tudo o que sinto. e não sei dizer como o sinto.
nem porque o sinto – e o corpo reclama a paz. o vento. o perfume. o futuro incerto. o dia
sem fantasmas. e tudo o que parece sombra é somente o sol a crescer num
horizonte que se esconde atrás de mim – e sinto as mãos. os sinos a tocar. as
velas a gotejar cera por um pavio que ainda arde. e a luz do dia seguinte escorre
por uma brisa que é quase certeza – sinto se estou só. sinto ainda mais quando
me perco nos meus eus. e por não estar também sinto. e tudo o que é sentir é
arrastar à força o amanhã para hoje. sofrer duas vezes. chorar duas vezes.
sentir a dor contínua entre o que antecipo e a dor certeza – e a razão
satisfeita. orgulhosa de tanto saber – sinto a história que construí à minha
volta como um laço de enforcado – chegam os amigos. os inimigos. os cães. os
pássaros e até os deuses de uma mitologia que não serve para nada – resta-me a
certeza de que o hoje é a verdade. sou hoje porque cheguei do dia anterior. mas
não sei de onde. talvez do corpo que me trouxe ao mundo. ou talvez seja apenas
sina. ajudar quem merece a ajuda – sou assim e nada posso fazer para que não o
seja – sinto um corpo que teima em exalar podridão. um mal que não vem por bem
– mas não pedirei nada a ninguém. nem ajuda. nem mar. nem água. nem sequer um
ombro para descansar – os que não me conhecem. não querem conhecer. os amigos.
que me conhecem. servem para rir. para me fazer ser o que não sou. para dizer
que tudo vai bem. quando vai mal. para lhes dizer que são mais importantes do
que todos os males que carrego como cruz – gosto da morte. nunca percebi porque
os homens choram aqueles que escolhem morrer – morrer é descansar. é sossegar
os amigos. é deixar saudade. um abraço a quem conhece a dor de um homem enganado
pelo tempo – jamais pedirei conforto. nunca o fiz e nunca o farei – aos amigos
não os quero nem no funeral. a terra cairá da pá do coveiro e. no final. depois
de bem calcado. talvez um punhado de ervas aromáticas apague o rasto da minha
existência
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