.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

02/10/2012

a patologia das palavras



salvador dali



“Só há uma diferença entre um louco e eu. O louco pensa que é sadio. Eu sei que sou louco.” – salvador dali


acontece-me algumas vezes quando escrevo um texto literário. chego ao fim sem compreender uma única palavra do que escrevi – o corpo cai em depressão – digo o corpo porque tudo começa a funcionar mal. cabeça. coração. olhos a lacrimejar. mãos a tremer. sensação de temperatura elevada. boca seca. e o número de emergência do INEM não me sai da cabeça – agoniado. aguento conforme posso. sei pelo passado que a solução. na maior parte destes casos. só aparece com o passar do tempo – volto a ler. reescrevo este ou aquele pedaço de texto. corto aqui. retoco acolá. adiciono umas quantas palavras novas. e pronto. sinto-me outro. e tudo agora no corpo são olhos abertos à segurança – o tempo e o trabalho curam tudo – mais calmo. mais lúcido e certo de que o meu suporte de vida aguentará até ao próximo texto. caio em mim. percebo que tudo não passou de um momento tresloucado do cérebro. um tipo de loucura estranhíssima que geralmente ataca alguns jovens que teimam em escrever. os loucos que gostam de passar o seu tempo livre a ligar palavras – ainda existe muita falta de informação acerca destas perturbações doentias. de gente que abdica de quase tudo. cinema. futebol. café. TV. amigos. sono. para escrever o que ninguém lê – somos quase sempre incompreendidos. a pergunta que nos colocam constantemente é porque insistimos em escrever o que ninguém lê. ou considera inútil – não é fácil explicar esta necessidade doentia de colocar em papel todas as palavras que diariamente explodem dentro da cabeça. fragmentando-se em mil e uma interrogações que também eu não sei responder – é loucura dizem os mais céticos –  começo a acreditar no jeito como esta gente nos olha. desconfiados – estes jovens que escrevem têm realmente problemas que. aos poucos. tendem a inclinar o corpo para o grave ou muito grave – estas anomalias ou perturbações patogénicas do cérebro. temporárias ou permanentes. cada vez mais frequentes no meio literário. não foram ainda suficientemente perigosas para que o meio-técnico-científico dedicasse mais tempo e meios capazes de enfrentar. tratar ou minorar. estas crises de quem quer escrever tudo o que pensa – sabe-se. no entanto. que um pequeno grupo de cidadãos ligados à área das letras. professores. escritores. poetas. filósofos. pensadores. entre outros. continuam à procura de uma razão plausível para estes devaneios cerebrais – a patologia estuda as alterações físicas e mentais. no caso dos escritores. as causas estão identificadas. mas o meio científico ainda não reconheceu onde o gene se altera. levando um homem comum a transformar a raiva em palavra. forte o suficiente para gerar um texto literário incompreendido até pelo próprio autor. quando este recupera o seu estado normal – o que se sabe. segundo os estudiosos ligados a este ramo de desvios. é que estas mutações podem ser causadas por um vírus. ou por erros de cópia do material durante a divisão celular. por exposição a radiação. ou mais grave. por influência direta ou contacto com outros seres humanos que. acometidos da mesma maleita. também escrevem coisas que a maior parte dos humanos é incapaz de perceber estou em crer que este interesse. do corpo científico que estuda problemas do foro neurológico. ao crescente aparecimento de textos que não servem para coisa nenhuma. ainda não mereceu a devida atenção – uma das razões que aponto para este “facilitismo” por parte das entidades responsáveis da saúde intelectual pública a nível mundial é. a de que até à data não há nenhum ato de violência associado aos criadores destes textos destoantes. impercetíveis. tresloucados. estes limitam-se a levar para o papel um conjunto de palavras que não chega a lado nenhum e ponto final – um neurónio desce pelo braço. mão. dedos e acaba morto no fim de um parágrafo. cravado no peito com um ponto final




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