“Só há uma diferença entre um louco e eu. O louco
pensa que é sadio. Eu sei que sou louco.” – salvador dali
acontece-me algumas
vezes quando escrevo um texto literário. chego ao fim sem compreender
uma única palavra do que escrevi – o corpo cai em depressão – digo o corpo porque
tudo começa a funcionar mal. cabeça. coração. olhos a lacrimejar. mãos a
tremer. sensação de temperatura elevada. boca seca. e o número de emergência do
INEM não me sai da cabeça – agoniado. aguento conforme posso. sei pelo passado
que a solução. na maior parte destes casos. só aparece com o passar do tempo – volto
a ler. reescrevo este ou aquele pedaço de texto. corto aqui. retoco acolá. adiciono
umas quantas palavras novas. e pronto. sinto-me outro. e tudo agora no corpo
são olhos abertos à segurança – o tempo e o trabalho curam tudo – mais calmo. mais
lúcido e certo de que o meu suporte de vida aguentará até ao próximo texto. caio
em mim. percebo que tudo não passou de um momento tresloucado do cérebro. um
tipo de loucura estranhíssima que geralmente ataca alguns jovens que teimam em escrever.
os loucos que gostam de passar o seu tempo livre a ligar palavras – ainda existe
muita falta de informação acerca destas perturbações doentias. de gente que
abdica de quase tudo. cinema. futebol. café. TV. amigos. sono. para escrever o
que ninguém lê – somos quase sempre incompreendidos. a
pergunta que nos colocam constantemente é porque insistimos em escrever o que ninguém
lê. ou considera inútil – não é fácil explicar esta necessidade doentia de
colocar em papel todas as palavras que diariamente explodem dentro da cabeça. fragmentando-se
em mil e uma interrogações que também eu não sei responder – é loucura dizem os
mais céticos – começo a acreditar no
jeito como esta gente nos olha. desconfiados – estes jovens que escrevem têm realmente
problemas que. aos poucos. tendem a inclinar o corpo para o grave ou muito
grave – estas anomalias ou perturbações patogénicas do cérebro. temporárias ou permanentes. cada vez mais frequentes no meio
literário. não foram ainda suficientemente perigosas para que o meio-técnico-científico dedicasse mais tempo e meios capazes de enfrentar. tratar ou minorar.
estas crises de quem quer escrever tudo o que pensa – sabe-se. no
entanto. que um pequeno grupo de cidadãos ligados à área das letras. professores.
escritores. poetas. filósofos. pensadores. entre outros. continuam à procura de
uma razão plausível para estes devaneios cerebrais – a patologia estuda as
alterações físicas e mentais. no caso dos escritores. as causas estão
identificadas. mas o meio científico ainda não reconheceu onde o gene se altera.
levando um homem comum a transformar a raiva em palavra. forte o suficiente
para gerar um texto literário incompreendido até pelo próprio autor. quando
este recupera o seu estado normal – o que se sabe. segundo os estudiosos
ligados a este ramo de desvios. é que estas mutações podem ser causadas por um
vírus. ou por erros de cópia do material durante a divisão celular. por
exposição a radiação. ou mais grave. por influência direta ou contacto com
outros seres humanos que. acometidos da mesma maleita. também escrevem coisas
que a maior parte dos humanos é incapaz de perceber – estou
em crer que este interesse. do corpo científico que estuda problemas do foro
neurológico. ao crescente aparecimento de textos que não servem para coisa
nenhuma. ainda não mereceu a devida atenção – uma das razões que aponto para
este “facilitismo” por parte das entidades responsáveis da saúde intelectual pública
a nível mundial é. a de que até à data não há nenhum ato de violência associado
aos criadores destes textos destoantes. impercetíveis. tresloucados. estes
limitam-se a levar para o papel um conjunto de palavras que não chega a lado
nenhum e ponto final – um neurónio desce pelo braço. mão. dedos e acaba morto
no fim de um parágrafo. cravado no peito com um ponto final
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