.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

29/10/2013

dissertação sobre os loucos moinhos de vento de dom quixote - 3 de 4




jeans paladino





a morte do cavalheiro é também a morte das palavras que não sabe escrever. o suicídio é adiado pela honra. resistência – escrevo erro. ninguém me sabe pelo que escrevo. sou assim. retorcido para dentro do que penso. procuro - cavo o que é meu. e mais um buraco. e outro. e mais outro e todos os buracos ocupados com nada – como o vedor procura a água eu procuro as palavras. e tudo seco. e a vara aponta para todos os livros que guardo no tampo da secretária – cavalheiro. sonhador por dentro. louco por fora. e o homem no seu tino perfeito – e as celebridades ali. mesmo ao pé de um texto destruído por mãos de quem escreve por necessidade. nada – dostoiévski tem uma frase que ilustra bem esta loucura doentia de fazer do nada aconchego: “não podendo encontrar o seu lugar no mundo, o homem deixa de ser homem, tornando-se um sonhador” – tal como zero mais zero é igual a zero. também o nada mais nada é igual a nada. utopista – tudo isto é nada – quem sabe se a loucura de escrever nada não é mais que um sintoma de deficiência vitamínica no enredo do que quero escrever – um dia queixei-me a um médico de dores intensas nas articulações das falanges – disse-me que talvez fosse défice de cálcio. não há nada a fazer. ainda não há cura nem prevenção para esse mal – aconselhou-me a fazer muitos exercícios com os dedos. assim faço. agora todos os dias. as dores não param de aumentar. não sinto melhoras – tenho dias que as dores aliviam um pouco. nas mudanças de textos. sempre que começo algo novo sinto-me mais confiante e as dores ficam adormecidas enquanto o cavalheiro sonha. expectativa – é assim desde o dia que comecei a tentar escrever. dores. mais dores e mais dores –  desespero com o silêncio das mãos pregadas no papel que não pára de florir estrelícias. esperança – esta flor não necessita de sol direto para abrir em flor. ambição – os cavalheiros que escrevem precisam – o tempo de quem escreve é feito de escravidão. sentado. ali fico à espera do milagre dos olhos. do ver dentro. do ver fora. do sentir dentro. do sentir fora e rabisco o que vejo. o que sinto. e a palavra embala a sofrer. vai para o papel? não. e mais outra e outra e os dias a contar para um homem que não gosta da idade que tem – escrevo para não envelhecer – corpo curvado. um sorriso para dentro. um ai. um acenar de cabeça leve. a testa a franzir no sentido do queixo. e o corpo a derrear para o lado do nada – só ele é que ainda acredita que existe vida nos buracos do corpo. demência – e depois o sentir do puxar das mãos para trás das costa enquanto os olhos gritam raiva por não alcançarem tudo. papel – tudo se torna maior que o cavalheiro. e o nada é gigantesco – no papel nada. no cavalheiro nada. dentro do homem tudo o que pode matar – o tudo é agora imenso para quem não sabe escrever – atiro o corpo ao chão. as mãos à guilhotina. e a cabeça ao fundo da terra onde os bichos nunca escolhem os cadáveres – dentro da terra não há cavalheiros. só homens. todos iguais. sem nada que os traga à vida. só à superfície as lápides falam da eternidade do tempo. livros – o lápis partido dois dedos acima do meu tamanho descansa perpetuamente no rascunho de um cavalheiro sem nome. lápide vazia – sobra a música. johann sebastian bach a esmagar com suavidade a esperança de uma clave de sol desenhada em papel de música. piedade – escrevo como se hoje fosse o meu último dia de cavalheiro – escrevo com a mesma bondade com que as gaivotas vivem na perpetuidade do mar. e tomam cada pedacinho do oceano como se fosse a sua casa. tranquilidade


[3 de 4] – contínua 



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