.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

27/05/2014

Morte e Vida severina




joão cabral de melo neto
 
 


Morte e Vida severina

 

O retirante explica ao leitor quem é e a que vai


— O meu nome é Severino,
 não tenho outro de pia.
 Como há muitos Severinos,
 que é santo de romaria,
 deram então de me chamar
 Severino de Maria;
 como há muitos Severinos
 com mães chamadas Maria,
 fiquei sendo o da Maria
 do finado Zacarias.

 
 
 Mas isso ainda diz pouco:
 há muitos na freguesia,
 por causa de um coronel
 que se chamou Zacarias
 e que foi o mais antigo
 senhor desta sesmaria.

 
 
 Como então dizer quem falo
 ora a Vossas Senhorias?
 Vejamos: é o Severino
 da Maria do Zacarias,
 lá da serra da Costela,
 limites da Paraíba.

 
 Mas isso ainda diz pouco:
 se ao menos mais cinco havia
 com nome de Severino
 filhos de tantas Marias
 mulheres de outros tantos,
 já finados, Zacarias,
 vivendo na mesma serra
 magra e ossuda em que eu vivia.

 
 
 Somos muitos Severinos
 iguais em tudo na vida:
 na mesma cabeça grande
 que a custo é que se equilibra,
 no mesmo ventre crescido
 sobre as mesmas pernas finas
 e iguais também porque o sangue,
 que usamos tem pouca tinta.

 
 
 E se somos Severinos
 iguais em tudo na vida,
 morremos de morte igual,
 mesma morte severina:
 que é a morte de que se morre
 de velhice antes dos trinta,
 de emboscada antes dos vinte
 de fome um pouco por dia
 (de fraqueza e de doença
 é que a morte severina
 ataca em qualquer idade,
 e até gente não nascida).

 
 
 Somos muitos Severinos
 iguais em tudo e na sina:
 a de abrandar estas pedras
 suando-se muito em cima,
 a de tentar despertar
 terra sempre mais extinta,

 
 
 a de querer arrancar
 alguns roçado da cinza.
 Mas, para que me conheçam
 melhor Vossas Senhorias
 e melhor possam seguir
 a história de minha vida,
 passo a ser o Severino
 que em vossa presença emigra.

 
 
João Cabral de Melo Neto





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