.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

30/07/2014

ponto vernal




militão dos santos
 
 



atapetam-se jardins
de flores
colhem-se novas cores
 
 - é o ponto vernal
 
adossado
chalaceia o caminheiro
do inverno
 
- o solstício ainda vem longe
 
solfejam alegria
andorinhas
em pomares de fartura
 
abrem-se:
janelas de esperança



26/07/2014

mamading versus mamareading




imagem google
 
 


os “camones” da europa poderosa andam por aí a dizer que inventaram o “mamading” – o jogo no qual se troca sexo oral por bebidas alcoólicas – mentirosos. os gajos passaram foi pelo tasco da minha rua – há muito tempo que se faz “mamareading” no meu café. isto é. mamas um café. e lês o jornal de borla – a mania destes “camones” até mete nojo – mas a culpa é nossa. se tivéssemos registado este tipo de “mamada” no instituto nacional de propriedade intelectual os bifas não se andavam agora por aí armados em cientistas-criadores – arre. que raiva tenho destes gajos – não há televisão que não passe o mamading dos “camones”. quem os ouve parece que inventaram a pólvora seca – se o nosso povinho tivesse outra visão intelectual quem estaria a passar nas televisões seria eu. empinocado. a ler o meu jornal de notícias em paz no botequim da minha rua – mas tristezas não pagam dívidas – os descobrimentos não aconteceram por acaso. nascemos para as grandes descobertas civilizacionais – onde há fumo. há sempre um tuga com um fósforinho a fazer fogo 



25/07/2014

desilusão






victor rodriguez

 




implosão -
a luz liquefez-se
no momento

dissolvida
a imagem:
deixou de ser

vivem agora:
em mim
lembranças





friedrich nietzsche




friedrich nietzsche
 
 
 
 
"nunca é alto o preço a pagar pelo privilégio de pertencer a si mesmo"
 



24/07/2014

texto




alex andreyev
 
 
 
 
 
 
eutexto - tutextas - eletexta - elatexta - cãotexta - nóstextamos - vóstextais - elestextam - elastextam – matilhatexta
 



 

23/07/2014

narrativa na primeira pessoa







horace pippin
 
 
 
 
 
escrever é um desafio perigoso. digo eu que quase não escrevo    as palavras mergulham para um vazio quase imenso. quase branco. quase com linhas especialmente concebidas para se tornarem numa espécie de céu – infelizmente o quase acaba num genuíno e real caminho para o inferno – tudo agora é ardor que arde sem se ver – enlaça a palavra nunca lida e aconchega-a num leito peregrino como se soubesse que está para breve o fim da ilusão – a almofada deslumbra-se. finalmente novos sonhos. acomoda-se aos lençóis entregando-se por inteiro à luxúria do caminhante. é agora penetrada pela loucura dos sinónimos – nem sempre as palavras dizem o que querem dizer. a ambiguidade arrasta-se de parágrafo em parágrafo em busca do arco-celeste – não tarda nada e tudo é papel – o momento é do peregrino e da almofada. reflexão – gosto de palavras. são graciosas. harmoniosas. aprimoradas. as palavras são um eu com representação em três d. – fazem abraços. alguns apertados. para toda a vida ou até mesmo só por um dia. um dia grande e intenso a valer uma vida inteira – há palavras que nascem com o corpo. não as aprendemos. são nossas como são a carne que se amarra aos ossos. como são os olhos que as sentem e as mãos que as escrevem. depois. depois basta uma almofada revigoradora. atravancada de penas do arcanjo gabriel. e tudo se converte em esperança – todas as palavras querem dizer coisas mesmo que não digam – há palavras que são portas abertas. avejões que não morrem. vomitam profecias de guerra para palavras que dizem o que dizem mesmo que insistam em dizer que não tinham intenção de o dizer – existem quatro coisas na vida que não se recuperam: a pedra depois de atirada; a palavra depois de proferida; a ocasião depois de perdida e o tempo depois de passado – o que está dito está dito. nenhuma almofada tem o poder supremo de mudar o rumo das palavras lançadas ao papel – o dono das palavras é o peregrino e o caminho são os seus pés. o papel é o fiel depositário – nada do que está escrito é fruto da árvore que deu papel – o papel guarda a vida que acontece no interior do peregrino – se estás com um livro na mão. o papel guarda. se estás com uma folha. o papel guarda. se estás com um lenço de papel. o papel guarda. se estás com um post-it. o papel guarda. o papel não é eterno mas as palavras quando lidas passam milagrosamente à narrativa em primeira pessoa – eu li – sempre que lês dás a eternidade ao peregrino – perfilam-se. armam-se. e como estratégia militar marcham sobre os mais incautos leitores. e a narrativa em primeira pessoa cada vez mais enorme – de palavras algemadas à carne prisão passam a palavras gaivota. livres. destemidas. audazes. palavras com alma – nunca me canso de falar de palavras. também não tenho mais nada para vos oferecer. são estas que realizam o meu destino – estas palavras não temem a luz. não temem a clarividência de outros saberes. não temem o julgamento da imperfeição. e eu. mais gaivota sou. cada vez mais narrativa em primeira pessoa





21/07/2014

21 de julho de 1984-2014




josé luís Peixoto
 





A Mulher Mais Bonita do Mundo


 
estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer
que estás bonita.
 
entro na casa, entro no quarto, abro o armário,
abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio
de ouro.

entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
se tocasse a pele do teu pescoço.
 
há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.
 
estás tão bonita hoje.
 
os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
 
estás dentro de algo que está dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
 
de encontro ao silêncio, dentro do mundo,
estás tão bonita é aquilo que quero dizer.

 
 

José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"
 




18/07/2014

diagnose




inês dourado
 



 
eis que a manhã me entornou luz ao pé das pernas – agora. ao meu lado a sombra. feliz. sem olhos. sem ouvidos. sem boca. sem coração. sem nada de quem lhe deu vida – não tarda chega a noite e partirá como chegou: sem nada – um dia dar-lhe-ei tudo que me pertence e nunca mais será sombra-feliz
 
 



14/07/2014

pressus




rembrandt
 



dou pelo nome de sampaio rego – escrevo. é com a escrita que procuro compreender o acerto perdido – sei que a escrita não muda um vírgula ao passado. sei-o muito bem. mas preciso de escrever. preciso de me ver em papel. preciso de parar no presente. renovar-me. absolver-me do pecado. purificar-me – quando escrevo fico preso na eternidade das palavras – sinto o corpo escuro. preto. não. talvez quase preto. um preto terylene. sombrio. opaco. débil. como quem vai desmaiar a qualquer instante. só as palavras brilham no branco. emergem em tinta preta viscosa – preto. gosto da cor preto. é a cor mais escura de todo o espectro de cores. moldada através da mistura de três pigmentos primários: vermelho. amarelo e azul – preto pode personificar apreço. etiqueta. morte. desolação. isolamento. medo. solidão. ausência de cor ou simplesmente uma forma de estar em vida – quem diria que três cores frondosas entranharam-me no corpo um preto-silêncio. preto–inseguro. preto-aflição – é assim o meu preto – escrevo preto. para experimentar a escuridão do meu preto procuro lugares ausentes do barulho. lugares cansados. lugares distantes da expectativa. das pessoas. da existência das coisas. das ruas. das sombras. da cama. da agonia. do pranto. do arrependimento – neste lugar da escrita não há morte. já se está morto há muito tempo e a vida acontece em flaches sombrios. ácidos – gosto do preto. gosto do silêncio entranhado no preto. gosto da raiva de língua preta. gosto do fumo preto no pulmão. gosto dos pássaros pretos. e de gatos também. trazem azar. quem diria. gosto do preto que se faz mulher e que me abraça num amor que é ferida e dói. dói a correr. dói à frente do corpo e dentro ainda mais e o amor magoado cada vez mais preto. mais enegrecido – amo o preto. nunca aprendi a amar outra cor – o preto é sempre tão aconchegante e eu tenho sempre tanto frio. estou sempre tão isolado. sozinho – no preto o silêncio é quase absoluto. raramente falamos. sussurramos. às vezes um desabafo em voz mais grossa para prova de vida – o silêncio é nosso. vive no preto desde sempre. nos arredores da vida. no descampado inútil. nas montanhas perdidas. nas cidades desertas. sem sirenes. sem ambulâncias. sem gente maltratada. sem cães vadios. sem velhos. sem portas. sem cartas e carteiro. sem nada que faça contraste com o preto – o preto é a minha companhia. fundimo-nos. todas as noites ali estamos. namorados eternos. a consumir escuridão. enrolada num charro de erva a alucinar. a causar pânico. paranoia. terror – a noite demora sempre mais que o dia. mesmo no solstício de verão – são sempre tão demoradas. negras. a cobrar sentimento – é única cor que nunca me abandonou. não sei viver sem a escuridão do preto – gosto do preto. habituei-me a gostar. deram-me à nascença e por aqui foi ficando. para sempre. acredito – já não conseguiria viver sem este negrume. sem este contentamento descontente – tenho medo de me perder numa overdose de contentamento. já não tenho raiva por amar o que é meu por destino. amo o preto da mesma forma que amo as pernas e as mãos – sem o preto não tinha pernas. sem o preto não escrevia – à minha volta só perdura o que é preto. gosto de preto-certeza em oposição a um branco-ilusão – tudo que tenho como certo é preto – lembro-me de andar vestido de preto. era interminável. o preto fazia-me maior. mais elegante. mais atraente. mais confiante. mais “look”. mais. “jet set”. dono da rua e do destino do mundo – com ausência de cor lá partia: roupa interior preta. meia preta. calça preta. camisa preta. camisola preta. casaco preto e para cobrir todo o preto uma gabardine preta igual à que keanu reeves usava no matrix – caía-me que nem uma luva. que classe. como gostava daquele preto impermeável. não havia mau tempo que lhe roubasse confiança. o capote tomava conta de mim – acreditava que a gabardine preta me atiraria para um futuro perfeito – nunca haveria de acontecer – todo eu era preto preto. um preto alegre [havia alegria no preto. nunca tinha feito luto]. preto-vida. só os olhos eram castanhos. com o tempo acabaram por escurecer. hoje. com ausência total de luz. tombaram para o preto – corpo preto. olhos pretos. palavra preta. vida preta – a cor é uma qualidade da luz. o preto sente-se – a palavra é escrita a preto porque o preto é uma cor universal. só há noite porque há preto. só há morte porque há preto. e só há viúvas porque estas se vestem de preto. todo o sangue pisado fica preto. e o preto a dizer: és sampaio porque és capaz de provar que a cor das palavras é feita da cor dos olhos de quem as escreve – quem lê não acrescenta cor. absorve cor – empírico – como sampaio não falo. tenho medo. o conhecimento mata cada vez mais escritores que gostam do preto: camilo castelo branco. antero de quental. mário de sá carneiro. trindade coelho. florbela espanca. o caminho da verdade é um calvário que a ninguém interessa – porque me hei de dar a quem não compreende esta atração pelo preto? o autor escreve para si. escreve para fazer amor. e o orgasmo é a palavra que sente. é a frase que faz sentido numa vida que é apenas dele – viver o preto é vestir luto todos os dias pelo mesmo cadáver – sou sampaio. não sei se gostaria de ser outro nome. mas também não interessa. escrevo a preto. preto é inexistência de cor. na maior parte dos dias é inexistência de luz – escrevo o quanto baste para me fazer entender. enquanto leitor sinto que o que escrevo é tudo o que posso dar de mim. a palavra é um filho. um texto é uma família. um livro a perpetuidade. uma bem-aventurança que não existe para gente que nasce a gostar do preto – se o céu existisse de verdade seria preto. preto vivo. límpido. soalheiro. carinhoso. generoso. justo e não haveria uma única palavra escrita – ninguém escreve no céu que me impingiram nas aulas de religião e moral. nesse céu não há noite. nem mar. nem chuva. nem lua. nem peixes. nem árvores. nem os pássaros de ruy belo. há um deus que não me conhece – escrevo. escrevo palavras com a esperança de perpetuar o nome que uso nos silêncios pretos – escrevo gritos que guardo no corpo. ouço-os quando quero e quando não quero. no meio das consoantes surdas só as vogais fechadas dão sentido a uma vida que se esgota a uma só cor. preto preto – como se odiasse o amor grita: o amor só se faz por amor – aqui estou neste preto que já não é luto. nem amor. é rotina. onde o prazer não se cansa de marrar na cabeça de quem carece de escrever-se – escrevo. escrevo o momento – o escritor é um comunicador silencioso. um hermafrodita grávido de si no tempo – escrevo porque não desisto de ser feliz. mas mais do que ser feliz. escrevo porque quero continuar a viver e esta é a única forma de escapar ao preto dos lutos – tenho medo. o preto devora toda a radiação luminosa – *“mas não me toquem nesse dor. ela é tudo o que me sobra – um homem com uma dor é muito mais elegante. caminha assim de lado como se chegando atrasado chegasse mais adiante”
 
Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante
 
*paulo leminski



12/07/2014

retalhos número de série 12072014s(r)ego19




françoise nielly
 
 
 
 

escrever é comunicar em silêncio – com a escrita sou mais de quem não conheço e menos do homem que escreve




Não sei quantas almas tenho




fernando pessoa



 
 


Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa


04/07/2014

vínculo com a destruição




théodore géricault
 
 



cortei as pernas. já não tenho mais caminho para fazer – para que quer um homem pernas que não o levam a lado nenhum? não quer – cortei-as em rodelas e pendurei-as numa figueira em socorro da passarada necrófaga – um fim nobre para carne inútil – as árvores morrem de pé e não tem pernas




03/07/2014

triste é...




arnold böcklin






triste é estar só
triste! é não saber o que fazer
não saber o que pensar
não preparar o futuro
esquecer o passado
chorar sem saber porquê
desfrutar de lágrimas insossas
dizer não ao sim.

 
triste é não ver o pôr-do-sol
não sentir a chuva
o vento
o aroma das flores
o grito dos animais
os gestos mudos
os carros a passarem
o telefone a tocar.

 
triste é não poder vaguear
não sentir dor
escrever sem saber
largar os remorsos
partir os espelhos
ser o que não somos
ter medo do dia
querer o que não podemos


triste é não amar
não olhar
filosofar para o espaço
não ter hora nem abraço
não ter leito
paz ou capataz
correntes, amarras ou
âncoras.


triste é não ter poemas
livros com prosas
bíblias de amor
saudades finitas
pensamentos
pecados
omissões
guardiões.

 
triste é não ter mãe
esquecer o pai
estragar o fruto
congelar o sabor
ter um tempo depois
um adeus
uma cobardia
um fantasma.

 
triste é não ter memória
um abrigo
um choro de irmãos
um avô que te espera
uma avó que tricota
um vizinho
um amigo
um inimigo.

 
triste é sermos diferentes
desprezados no olhar
referenciados e marcados
esquecidos
contidos e odiados
chorados
olhados
espoliados.

 
triste: é apenas o contrário de alegre.

 

26 / 12 / 2002
 
"na companhia da solidão"




infindo




edda bettinzoli
 


 

das mãos

 

eclodiu com suavidade
a ideia
acorrentada a um fio de azeite
cresceu
talvez imenso
deixou de ser apenas um substantivo comum
adjectivou-se com superioridade
excedeu as preposições
 
 

esgotada
tombou livro