.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

06/03/2019

luxúria das palavras





leonid pasternak




serei impuro apenas porque desejo sentir o abraço das palavras? serei impuro por querer experienciar o feminismo das palavras? serei impuro por abandonar de vez o miserável receio de ser sentimental com as palavras? não sei – nos dias que escrevo há dentro de mim uma histeria desenfreada. atabalhoada e histérica – corre-me pelas mãos o desejo de afagar em pecado todo o vocabulário – a sirene invade o silêncio. ligo os holofotes e ilumino-as - as palavras – matreiramente sorrio. procuro dizer-lhes que estou com uma ereção factual e substancial – estou louco. perdidamente louco e miseravelmente desvairado: preciso urgentemente de as usar. de as trazer para o meu mundo de afectos. preciso de as trazer ao mundo dos leitores – william shakespeare dizia que “enquanto houver um louco. um poeta e um amante haverá sonho. amor e fantasia – e enquanto houver sonho. amor e fantasia. haverá esperança” – a esperança também é feita de palavras –quando escrevo sinto-me o melhor amante do mundo. sinto-me eu e ninguém é melhor do que um eu perdidamente enamorado – as mãos procuram o papel enquanto que os vocábulos continuam a emergir em fantasias selvagens: gemem. contorcem-se. esfregam-se em sussurros alucinados e húmidos – todo eu estremeço. acalento. as veias endurecem e ao ouvido o prazer supremo: és único. não há outro como tu – e entre elas corre agora um mel pegajoso que anuncia. a todo o momento. o orgasmo – o papel está pronto – enfeitiçado pela luz refletiva das palavras e pela generosidade de um corpo ávido de sucesso. derreto-me em sequiosas perversões reprodutivas: multiplicai-vos e enchei a terra de palavras – finalmente uma relação de simbiose: elas excitam-me e eu levo-as à loucura da leitura – não quero mais o passado. as palavras rascas e indiferentes nunca mais serão pronunciadas – quem nunca me compreendeu não merece o extasiamento verdadeiro de uma leitura – o melhor do mundo são as palavras – o que seria de nós sem as palavras. sem amo-te. sem paixão. sem abraço. sem beijo. sem quero-te. sem desejo-te. preciso de ti. tu és tudo o que necessito para ser feliz. para existir. para me fazer eterno. ejacular e fecundar – as palavras são tudo – resta-me aproveitar cada dia desta paixão certa e sedutora – estou completamente apaixonado e assim espero que continue. porque se me perguntarem se podia viver sem elas - “poder podia. mas não era a mesma coisa”


 [versão alterada de 23/11/2009]