.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

24/04/2019

abri... meu abril. meu abril










aqui estou. a olhar. a pensar nas coisas que ainda existem dentro de mim. e também nas coisas que não estando dentro de mim me iluminam como iluminam as auroras boreais – faz anos hoje que nasci e sempre que este dia se repete penso nas coisas boas que me aconteceram. na chuva que me molhou e nos lábios que me beijaram como se fossem primavera e me levaram até marte – e agora que o tempo é menos do que sou o que faço comigo? vivo com quê? recordo os afectos que me seguraram até aqui? ou choro a raiva que transporto e me corrói a alma como se fosse um alien? vivo – vivo sem vagar – o mundo criou-me da forma que escolhi – a verdade é que são as coisas que existem em mim que me fazem do tamanho que sou – aqui estou. a contar os anos. mais um. e o calendário rasgado em quatro. e corro. corro desalmadamente pois sei que se faz tarde para o que há de vir – corro e escondo-me – só recatado estou sereno. só recatado sou eu numa verdade boa – e aqui estou com o tempo às voltas – há dias em que sorrio por gratidão e outros. apenas por obrigação – motivo-me com as palavras que escrevo. fortifico-me com a fé de um deus que inventei só para mim e conto as rugas porque não me apetece contar mais nada – fujo do que não tem fuga. desespero. insulto-me com palavras ordinárias e juro que estou ainda mais vivo do que ontem – corro ao redor de cadeiras que não se ocupam por ordem minha. enquanto a chuva não para de cair num buraco que me entra pelos olhos e me encharca o coração – esbracejo e grito com o que me resta para a vida: aqui estou deus cruel. crucifico-me não por ti mas pelo que trago em mim. esta é a minha casa. é aqui que farei da morte desculpa – e os fantasmas a correr pelas paredes como se tudo em mim fosse uma pilhagem fácil – estou desgostoso. melancólico. dorido e em agonia. tudo o que tenho rima com nada e com campos plantados de sonhos – apetece-me descansar estas pernas sem descanso – e eu aqui a ler o tempo como se dentro dos olhos me explodissem bombas. as mãos a rasgar o dia de ontem e as lembranças agoniadas. esbaforidas. doentes. a sangrar. a magoar os vivos. e o sino tlim tlamtlimtlame [agora] o silêncio nas coisas que existem é muito mais do que saudade – fujamfujamo coração não vê o que não ama – de frente o vento rasga-me a voz e as montanhas devolvem-me os gritos em desespero – sou neste corpo envelhecido tudo o que trouxe com o tempo – e aqui estou eu a escrever como se as palavras me trouxessem uma vida extra – se deus me desse uma vela e um sopro apagava toda a tristeza que guardei para sobreviver – procuro ainda esperança. procuro ainda tempo. procuro ainda o que sempre procurei para que as coisas se acalmem – vivo num fogo de poeta – toda a minha vida é feita de coisas. certas e incertas. às vezes sorriso. outras. amargos de boca. fel. horror. revolta. crucificação que não quero merecer – não importa. tudo tem perdão quando o outono chega – a cabeça não para de pensar. mata-se. agonia-se com a saudade. e todas as coisas valiosas cada vez mais afastadase berro nos ouvidos do mundo: só tenho uma vida – cheiro a desespero desde o dia em que quis crescer – só a esperança ralha comigo – a mãe de tudo o que sou partiu pela escada da escuridão e as coisas enlouqueceram dentro de mim. as minhas coisas revoltaram-se. e o sótão mais uma vez desarrumado. e caixas abertas. estraçalhadas a baba e ranho – e as coisas que amo a morrer vezes sem fim. como se os aniversários fizessem os dias voltar para trás – estou aqui porque não posso estar noutro lugar. noutro inferno. e o que imagino é um negro que magoa por avanço – nenhuma palavra será girafa. gaivota. ou garrafa perdida num oceano repleto de beijos e abraços – e as orcas gordas penduradas nos himalaias a rir à gargalhada – nada acontece às orcas e às velas que não ardem. e eu pendurado nas coisas que existem dentro de mim. que amo. que beijo e que sofro sempre que as abraço em silêncio – é tudo o que sei fazer – perdoo-me e os que gostam de mim também me perdoarão – o mundo só me tem servido para envelhecer


sampaio rego – 17 de abril de 2019





06/04/2019

traço um desejo







                                                               pintura - robin eley





[dueto: Dolores Marques e sampaio rego]



Há sempre um sopro nas madrugadas...
Sente-se o suave deslizar…

é onde os sonhos interrompidos tomam forma
em pequenos bocejos
no aconchego das estrelas. aos nossos desejos.

O belo! Adornos cristalinos nas mãos que me afagam a alma.
É um mundo que irrompe madrugadas
Nas noites em que a solidão toma conta de mim

mas não da esperança… embebida nas lembranças. forço as recordações a romper…
a chuva que ouço cair.
não são mais do que pétalas de estrelas a florir dentro de mim

Há um mundo a transbordar dentro de outro ainda maior.
Do meu peito soltam-se primaveras que se abrem a ti

e dum sorriso voltará a nascer o desejo
de poder partilhar todos os instantes que soltaste dentro de mim
neste caminho. que o destino traçou
escreveremos a duas mãos. o mundo

Nas mãos traço o destino que me rouba um sonho trancado
Em nuvens de algodão,
E elas sentem o meu corpo já tão cansado…





01/04/2019

esdruxulamente insignificante





imagem google



respiro e resisto neste respira[-]mento[e] que me cansa – às vezes gostava de estrangular esta minha respiração. matá-la. estropiá-la. obrigá-la a falecer no mundo das pessoas – para falar verdade. o que gostava mesmo. era de esconder-me desta civilização bárbara – nesta vida já não valho nada. só a morte me porá de novo no mundo das coisas com interesse – mas quero que saibam. aqueles que ousadamente tiverem a coragem de ler estas palavras até ao fim.  que estou lúcido. esperto e desperto para as antíteses que alimento em mim – por isso é que resisto neste respirar de socorro – vivo de antíteses. são estas que me despertam da escuridão silenciosa. são estas que me equilibram o desequilíbrio imposto por um mundo sem generosidade. sem tolerância. sem respeito e onde eu me recuso a acreditar de que há sempre uma razão superior para as coisas acontecer como acontecem – convictamente digo: não há nenhuma razão superior a não ser a razão que os homens inventam – também eu inventei uma razão para me fazer existir nesta forma esdruxulamente insignificante: plantei uma linha imaginária no centro do meu cérebro: de um lado a insignificância. do outro. o saber para compreender e aceitar tudo que é insignificante – [suportação encontrada] – pendurado nesta linha de loucura intermitente eu numa composição orgânica dolorosa: ora numa assimilação tremelicante. ora numa desassimilação pindérica – aguento-me. suporto-me. tolero-me. amarro-me aos ossos emersos na última reserva de líquido amniótico – pelas manhãs acendo-me numa energia raivosa e baloiço-me de um lado para o outro. ora no que não sei. ora no saber do que não sei – quando baloiço o destino constrói-se. mistura-se e ajusta-se – a vida foi-me oferecida por dois seres maravilhosos – quando fazes parte de algo tão maravilhoso ficas para sempre com a obrigação de respirar – sempre que respiro aceito viver – respiro gratidão – coloco o pescoço a noventa graus. olho o topo. o corpo encaracola-se. sobe por si acima porque é a única forma de descer à terra – procura – o que não vejo. sinto ou toco. não existe – se nada existe. então. quem sabe. os meus sonhos também não existem – eu não sonho. sou apenas parvo. a minha biologia evolutiva degenerou – a evolução do homem é a acumulação de mudanças através de sucessivas gerações – eu não mudei nada. sonhei. ”elastifiquei-me” no que não sou e o resultado é esta caverna inundada de sombras que nem sei se existem – e eu a baloiçar cada vez com mais força. a suster a respiração. as lágrimas. a raiva e o corpo perdido em incertezas que só existem porque teimo em fazer dos sonhos a realidade – e o mundo todo aos berros. com as línguas a tocar-me os pés. a dizer: lambe e verás como deixas de baloiçar – soubesse eu dar um mortal à retaguarda e cair de pé no mundo de quem não sonha e não lhe sente a falta – soubesse eu tanta coisa – agora. nos intervalos do soubesse. toco no que há para tocar. vejo o que me é oferecido ver e sinto o que o corpo entende que é mais do que desejo e menos do que sonho – tudo o resto. é o saber de quem sabe que nada sabe – quem sabe que nada sabe não pode ser tolo ou insignificante – mas é então o quê?