aqui estou. a olhar. a pensar nas
coisas que ainda existem dentro de mim.
e também nas coisas que não estando dentro de mim me iluminam como iluminam as
auroras boreais – faz anos hoje que
nasci e sempre que este dia se repete penso nas coisas boas que me aconteceram. na chuva que me molhou e nos lábios
que me beijaram como se fossem primavera e me levaram até marte – e agora que o
tempo é menos do que sou o que faço comigo? vivo com quê? recordo os afectos
que me seguraram até aqui? ou choro a raiva que transporto e me corrói a alma como
se fosse um alien? vivo – vivo sem vagar – o mundo criou-me da forma que
escolhi – a verdade é que são as coisas que existem em mim que me fazem do
tamanho que sou – aqui estou. a
contar os anos. mais um. e o calendário rasgado em quatro. e corro. corro desalmadamente pois sei que se faz tarde para o que há de vir
– corro e escondo-me – só recatado estou sereno. só recatado sou eu numa verdade boa – e aqui estou com o tempo às
voltas – há dias em que sorrio por gratidão e outros. apenas por obrigação – motivo-me com as palavras que escrevo. fortifico-me com a fé de um deus que inventei
só para mim e conto as rugas porque não me apetece contar mais nada – fujo do
que não tem fuga. desespero. insulto-me com palavras ordinárias e
juro que estou ainda mais vivo do que ontem – corro ao redor de cadeiras que não se ocupam por ordem minha. enquanto a chuva não para de cair num
buraco que me entra pelos olhos e me encharca o coração – esbracejo e grito com
o que me resta para a vida: aqui
estou deus cruel. crucifico-me não
por ti mas pelo que trago em mim. esta é a minha casa. é aqui que farei da morte desculpa – e os fantasmas a correr
pelas paredes como se tudo em mim fosse uma pilhagem fácil – estou desgostoso. melancólico. dorido e em agonia.
tudo o que tenho rima com nada e com campos plantados de sonhos – apetece-me descansar
estas pernas sem descanso – e eu aqui a ler o tempo como se dentro dos olhos me
explodissem bombas. as mãos a rasgar
o dia de ontem e as lembranças agoniadas.
esbaforidas. doentes. a sangrar. a magoar os vivos. e o
sino tlim… tlam… tlim… tlam… e [agora] o silêncio nas coisas que
existem é muito mais do que saudade – fujam… fujam… o coração não vê o que não ama – de frente o vento rasga-me a voz
e as montanhas devolvem-me os gritos em desespero – sou neste corpo envelhecido
tudo o que trouxe com o tempo – e aqui estou eu a escrever como se as palavras
me trouxessem uma vida extra – se deus me desse uma vela e um sopro apagava
toda a tristeza que guardei para sobreviver – procuro ainda esperança. procuro ainda tempo. procuro ainda o que sempre procurei para
que as coisas se acalmem – vivo num fogo
de poeta – toda a minha vida é feita de coisas. certas e incertas. às
vezes sorriso. outras. amargos de boca. fel. horror. revolta. crucificação que não quero merecer – não importa. tudo tem perdão quando o outono chega
– a cabeça não para de pensar.
mata-se. agonia-se com a saudade. e todas as coisas valiosas cada vez mais
afastadas… e berro nos ouvidos do
mundo: só tenho uma vida – cheiro a desespero
desde o dia em que quis crescer – só a esperança ralha comigo – a mãe de tudo o
que sou partiu pela escada da escuridão e as coisas enlouqueceram dentro de mim. as minhas coisas revoltaram-se. e o sótão mais uma vez desarrumado. e caixas abertas. estraçalhadas a baba e ranho – e as coisas que amo a morrer vezes
sem fim. como se os aniversários fizessem
os dias voltar para trás – estou aqui porque não posso estar noutro lugar. noutro inferno. e o que imagino é um negro que magoa por avanço – nenhuma palavra será girafa. gaivota. ou garrafa perdida num oceano repleto de beijos e abraços – e as orcas
gordas penduradas nos himalaias a rir à gargalhada – nada acontece às orcas e
às velas que não ardem. e eu
pendurado nas coisas que existem dentro de mim. que amo. que beijo e
que sofro sempre que as abraço em silêncio – é tudo o que sei fazer – perdoo-me
e os que gostam de mim também me perdoarão – o mundo só me tem servido para
envelhecer
sampaio rego – 17 de abril de
2019
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