tenho um punhal guardado desde o tempo em que as pessoas lutavam por coisas de nada – abri a gaveta escondida por detrás dos meus fígados. mesmo ao lado da moela que tritura tudo aquilo que me fazem – voltei ao passado. tempos em que o coração vivia aos saltos na boca – este músculo. retorce-se sempre que o paladar altera o tamanho das papilas gustativas. estas. incham como se tivessem sido mordidas por abelhas assassinas e rebentam em total excentricidade de linguagem – abre-se a porta ao palavrão. ao calão. às putas. aos caralhos. aos fodasses e por último até aparece uma puta que pariu esta merda toda – que seria de mim se voltasse a usar este punhal? – esta herança da luta contra as injustiças. esta coisa que cresceu com um tempo que não foi só meu e faz de mim tudo o que sou hoje – imaginei-me a tentar matar um poema. um poema pequeno. muito pequeno. quase um haikai. sem brilho. sem rimas. sem musicalidade. envolto em total mistério. sem família. sem casa. como aqueles sem abrigo. sujos com quanta merda o mundo dos limpos faz – fizeram a sua casa ao ar. sem o azul do céu. conservam apenas a noite para poderem sonhar. reconfortam-se num banco de talas geometricamente perfeito. vermelho para realçar os farrapos esburacados pelas traças da comichão e falam em silêncio para uma cidade de pedra – nunca estes corpos escutaram um eco do que disseram em agonia. em desespero. em raiva por não perceber os buracos numa roupa que nunca foi nova no seu corpo – apenas um grilo teimoso continua a cantar. já não canta por ele. canta por todos os bancos ocupados por corpos que vivem em silêncio – canta. canta até o romper do sol. canta até ficar sem voz ou sem esperança – em tempos. num destes bancos geométricos onde um corpo esburacado teima em viver. nasceu uma flor de esperança aos seus pés – crescera-lha entre os dedos ainda gretados pelas últimas noites de orvalho – era verão e estava sentado defronte para o sol. sabe que necessitará daquele calor para os dias frios que se avizinham. em silêncio. olhava para um futuro quase terminável e tão gélido pela solidão de quem já não sabe pedir socorro – um dia. acordou com uma voz de criança. pensou que era um sonho. mas a flor tinha partido com toda a esperança. todas as letras que um dia sonhara para fazer um ramo de papoilas amarelas – tudo tinha desaparecido. restava-lhe apenas o banco vermelho com as talas geometricamente colocadas de sul para norte. era assim que se deitava. tinha os olhos acomodados no horizonte – desisti de matar poemas. nunca terminaria com a poesia. por muitos que matasse. haveria sempre mais a nascer nas mãos de quem não sabe o que são odes poéticas – é preciso mais. muito mais para acalmar os meus desassossegos. tenho que fazer mais. muito mais – pensei então em matar um poeta. um daqueles que pensa que escreve. que faz rimas. faz amuletos. faz elogios. faz sonetos. faz prosas. faz troça. faz asneiras. até faz com que a pouca arte que me cai das mãos chore de raiva por não lhe poder dizer que a vida tem palavras. que nunca perceberá a verdadeira importância de alguns vocábulos juntos – esta coisa de trazer tanta coisa de um passado que já é distante. sem nunca ter parado para descansar. sem nunca ter aliviado a carga a olhar para uma flor que fosse. mesmo que ainda não tivesse desabrochado. mesmo que a primavera estivesse ainda no cair da folha – podia ao menos ter chorado. quando choro nunca estou só. sinto a face a mudar as formas. os músculos gemem em silêncio. só dentro da carne é visível a metamorfose da dor em água – por fora. nascem sulcos arados pela vontade de ter uma nova oportunidade para sentir o alívio superar a dor. abrem-se novos caminhos pelo meio da tristeza. deixa-se passar a vida desfeita em água. em cascata. passa pelos lábios. ao de leve fico com o sabor das profundezas da alma e depois. sem os olhos poderem guardar a transparência da vida liquidificada. parte para a imensidão do pó. sem sequer um adeus – fico apenas com um gelo na face. é o vento a secar a dor por detrás da carne – caio em mim. sei agora que estes poetas loucos nunca andam só. amparam-se uns aos outros nos desgostos da vida. acasalam as pernas de pau com que riscam o chão por onde passa todo o sonhador. todo o sem abrigo. todo o homem nu com todas as palavras capazes de florir o mundo – no chão. sem saberem. desenham a desilusão. a amargura. o fel de todas as angústias da vida. apenas da sua vida que sem saberem nada é para quem faz da vida uma passagem – olhei para o punhal. olhei com os olhos esbugalhados e ainda manchados de dor. olhei. olhei e guardei-o – já não sou homem para gastar palavras feitas de lâminas – fechei-o à chave. com duas voltas e um cordão de sisal fechado a lacre – o selo são as minhas impressões digitais – coisas que a escrita de alguns poetas nunca terá – não compensa matar o que já morreu – estes poetas já morreram para quase tudo. agora escrevem para matar o tempo que os há de comer.
.................................................................................não tirem o vento às gaivotas
29/09/2010
deceções e conceções ao sujeito poético
tenho um punhal guardado desde o tempo em que as pessoas lutavam por coisas de nada – abri a gaveta escondida por detrás dos meus fígados. mesmo ao lado da moela que tritura tudo aquilo que me fazem – voltei ao passado. tempos em que o coração vivia aos saltos na boca – este músculo. retorce-se sempre que o paladar altera o tamanho das papilas gustativas. estas. incham como se tivessem sido mordidas por abelhas assassinas e rebentam em total excentricidade de linguagem – abre-se a porta ao palavrão. ao calão. às putas. aos caralhos. aos fodasses e por último até aparece uma puta que pariu esta merda toda – que seria de mim se voltasse a usar este punhal? – esta herança da luta contra as injustiças. esta coisa que cresceu com um tempo que não foi só meu e faz de mim tudo o que sou hoje – imaginei-me a tentar matar um poema. um poema pequeno. muito pequeno. quase um haikai. sem brilho. sem rimas. sem musicalidade. envolto em total mistério. sem família. sem casa. como aqueles sem abrigo. sujos com quanta merda o mundo dos limpos faz – fizeram a sua casa ao ar. sem o azul do céu. conservam apenas a noite para poderem sonhar. reconfortam-se num banco de talas geometricamente perfeito. vermelho para realçar os farrapos esburacados pelas traças da comichão e falam em silêncio para uma cidade de pedra – nunca estes corpos escutaram um eco do que disseram em agonia. em desespero. em raiva por não perceber os buracos numa roupa que nunca foi nova no seu corpo – apenas um grilo teimoso continua a cantar. já não canta por ele. canta por todos os bancos ocupados por corpos que vivem em silêncio – canta. canta até o romper do sol. canta até ficar sem voz ou sem esperança – em tempos. num destes bancos geométricos onde um corpo esburacado teima em viver. nasceu uma flor de esperança aos seus pés – crescera-lha entre os dedos ainda gretados pelas últimas noites de orvalho – era verão e estava sentado defronte para o sol. sabe que necessitará daquele calor para os dias frios que se avizinham. em silêncio. olhava para um futuro quase terminável e tão gélido pela solidão de quem já não sabe pedir socorro – um dia. acordou com uma voz de criança. pensou que era um sonho. mas a flor tinha partido com toda a esperança. todas as letras que um dia sonhara para fazer um ramo de papoilas amarelas – tudo tinha desaparecido. restava-lhe apenas o banco vermelho com as talas geometricamente colocadas de sul para norte. era assim que se deitava. tinha os olhos acomodados no horizonte – desisti de matar poemas. nunca terminaria com a poesia. por muitos que matasse. haveria sempre mais a nascer nas mãos de quem não sabe o que são odes poéticas – é preciso mais. muito mais para acalmar os meus desassossegos. tenho que fazer mais. muito mais – pensei então em matar um poeta. um daqueles que pensa que escreve. que faz rimas. faz amuletos. faz elogios. faz sonetos. faz prosas. faz troça. faz asneiras. até faz com que a pouca arte que me cai das mãos chore de raiva por não lhe poder dizer que a vida tem palavras. que nunca perceberá a verdadeira importância de alguns vocábulos juntos – esta coisa de trazer tanta coisa de um passado que já é distante. sem nunca ter parado para descansar. sem nunca ter aliviado a carga a olhar para uma flor que fosse. mesmo que ainda não tivesse desabrochado. mesmo que a primavera estivesse ainda no cair da folha – podia ao menos ter chorado. quando choro nunca estou só. sinto a face a mudar as formas. os músculos gemem em silêncio. só dentro da carne é visível a metamorfose da dor em água – por fora. nascem sulcos arados pela vontade de ter uma nova oportunidade para sentir o alívio superar a dor. abrem-se novos caminhos pelo meio da tristeza. deixa-se passar a vida desfeita em água. em cascata. passa pelos lábios. ao de leve fico com o sabor das profundezas da alma e depois. sem os olhos poderem guardar a transparência da vida liquidificada. parte para a imensidão do pó. sem sequer um adeus – fico apenas com um gelo na face. é o vento a secar a dor por detrás da carne – caio em mim. sei agora que estes poetas loucos nunca andam só. amparam-se uns aos outros nos desgostos da vida. acasalam as pernas de pau com que riscam o chão por onde passa todo o sonhador. todo o sem abrigo. todo o homem nu com todas as palavras capazes de florir o mundo – no chão. sem saberem. desenham a desilusão. a amargura. o fel de todas as angústias da vida. apenas da sua vida que sem saberem nada é para quem faz da vida uma passagem – olhei para o punhal. olhei com os olhos esbugalhados e ainda manchados de dor. olhei. olhei e guardei-o – já não sou homem para gastar palavras feitas de lâminas – fechei-o à chave. com duas voltas e um cordão de sisal fechado a lacre – o selo são as minhas impressões digitais – coisas que a escrita de alguns poetas nunca terá – não compensa matar o que já morreu – estes poetas já morreram para quase tudo. agora escrevem para matar o tempo que os há de comer.
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