ainda há quem acredite que eu tenho um nome – ó meu deus. para que raio querem eles saber o meu nome se moro dentro de uma caixa onde apenas guardo o nada – o nada é a minha vida – é neste nada que encontro quase sempre uma palavra para salvar – palavras antigas. tristes. sufocadas por um tempo sem ponteiros – salvam-se nas leituras. onde apenas o vosso olhar sabe atormentar a procura da redenção – é o leitor. também este sem nome – o nada. é uma coisa que eu encontrei para esboçar todas as coisas belas que um dia descobri que me caíram das mãos – ó meu deus. agora que pensava que jamais o nada teria corpo. mãos. pernas a correr à frente dos olhos. descubro que o nada afinal não pode ser nada – ó meu deus. logo agora que estava quase a quebrar o aloquete daquela caixa de ferro que um dia guardou uma criança morta de doçura – ó meu deus. e agora que faço à chave? talvez a meta dentro de um envelope aberto. fechada. continuará a caixa de ferro gravada com as iniciais s.r. – em baixo. as palavras trabalhadas a cinzel de prata: morrerá sem saber o dia em que nasceu – pensava que estava mesmo para nascer – abrupto. caía de entre pernas – estatelado num chão feito de memórias dos dias que vivi sem nada. procurava a antítese – numa lousa negra pregada a uma parede que dividia o nada do todo. podia ler eugénio de andrade:
Escrevo
Escrevo já com a noite
em casa. Escrevo
sobre a manhã em que escutava
o rumor da cal ou do lume,
e eras tu somente
a dizer o meu nome.
Escrevo para levar à boca
o sabor da primeira
boca que beijei a tremer.
Escrevo para subir
às fontes.
E voltar a nascer.
ó meu deus. e agora. quando as mãos forem entaladas pelo olhar dos que me julgam – serás tu mais uma vez o culpado. só podes ser tu. és o único que me podes perdoar da injustiças de ter a camisa ainda negra – ó meu deus. quero tanto escrever. esqueci até de rezar.
Anjo da guarda
Minha companhia
Guardai a minha alma
De noite e de dia
E palavras são poucas... belíssimo.
ResponderEliminarobrigado márcia.
ResponderEliminarbeijo