foto - sampaio rego
é noite e
tenho dentro de mim uma analepse desvairada. orgásmica. banhada num suor
lascivo de luxúria. grita desesperadamente por acasalamento – procura um substantivo
capaz de fazer acontecer uma história no presente – sempre que vê uma figura
ajanotada. com estilo. sorri. acicata. levanta a saia dois dedos acima do
joelho. mostra um pouco da zona erógena. abre dois botões da blusa. e deixa o
colo insinuar-se em rendas namoradeiras – mas uma analepse será sempre uma analepse.
feita de tempo passado. carrega consigo todos os averbamentos da vida: o bom e
o mau. a alegria e a tristeza. o certo e o errado. e em desespero olha o futuro
apenas para prolongar a existência do que está para trás – a falta do destino é
a sua essência – desesperada por encontrar o amor da sua vida. oferece-se como
se de uma qualquer se tratasse – precisa urgentemente de alguma coisa que a
preencha. um substantivo fálico capaz de averbar à sua vida uma mensagem nova.
uma nova arte gramatical. palavras modernas. confiança para o inesperado – a
urgência é cada vez mais urgente. ela sabe que a vida é um relógio que não para
de contar – nenhum relógio anda para trás – precisa de futuro. precisa do imprevisível.
do intempestivo. do surpreendente. do inovador. do revigorador. está farta de
ser apenas uma analepse – acredita que um dia. no futuro. vai encontrar o amor
da sua vida –sonha com um pequeno conto da sua vida. um verso. um soneto só
seu. nem que seja escrito num guardanapo de papel – importante mesmo é que seja
um amor eterno como o de shakespeare. ela julieta e ele romeu. envenenados pela
eternidade das palavras de hoje – carente. sente a luxúria a invadir cada parte
íntima do seu corpo – há um substantivo que não lhe sai da cabeça. um que dá
nome a todas as coisas belas do mundo – como é possível querer amar tanto um
substantivo que nem sequer conheço – o momento é único. nunca se sentiu assim.
é como se encerrasse numa única palavra capaz de dizer tudo sobre o amor de uma
vida – gosta agora mais do que nunca de todos as formas verbais capazes de
dizer coisas. coisas que muitas vezes ninguém percebe – sabe que só as palavras
lhe permitem dizer ao mundo que ainda está viva – um dia terei um substantivo com
futuro só para mim – sente agora um friozinho que não sabe explicar enquanto
que o corpo treme como se estivesse dentro de um conto de allan poe – não está.
nem nunca estará sabe que é uma analepse simples a viver rodeada de histórias
que não lhe pertencem – sabe apenas que ama. ama porque para se narrar pequenas
ou grandes histórias tem que se ter um grande amor pelo que a vida oferece – um
dia prometo-vos que deixarei de ser uma analepse nem que para isso me entregue
definitivamente aos poderes da terra e do fogo – arderei e lançarei toda a
minha história ao mar – serei então tempo presente e terei o vosso perdão
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