foto - sampaio rego
na minha
cidade não há metro. nem buracos no solo a trazer gente de toda a parte do
mundo – na minha cidade homens carrancudos conduzem automóveis familiares com
autocolantes no vidro traseiro a informar: cuidado! bebé a bodo – se a minha
cidade fosse londres tenho a certeza de que haveriam muitos metrossexuais a
conduzir automóveis com o volante à direita
– na minha cidade os automóveis circulam com o volante á esquerda e com
condutores de bigodes fartos sentados também à esquerda – londres tem metro.
tem escadas rolantes a regurgitar gente sisuda do centro da terra a toda a hora
– na minha terra só há escadas rolantes nos centros comerciais com gente a
subir e descer para não ir a lado nenhum – estou em crer que em londres as
crianças não nascem nas maternidades. nascem no subsolo – talvez por isso
cheguem à superfície enormes e de óculos escuros. não aguentam a luz – na minha
cidade as crianças ainda nascem em maternidades com parteiras vestidas de
branco com o estetoscópio pendurado no bolso do lado do coração onde as
crianças choram pelas mães. choram de fome. choram pelas mamas carregadas de
leite. enquanto passeiam em jardins enfeitados de jasmim – em londres as
crianças não choram em jardins. nem choram pela mães. choram com amas em
creches cercadas de medo – na minha cidade os jardins tem bancos pintados de
vermelho com velhinhos a jogar às cartas com os dedos queimados de cigarros
enrolados à mão – em londres os jardins estão mortos de solidão e são tão
minúsculos que não aguentam velhinhos a jogar às cartas – na minha cidade as
crianças demoram a crescer e são mimadas pelos pais com guloseimas compradas
nas portas das igrejas – em londres as crianças não sabem que são crianças e
não sabem que há guloseimas às portas das igrejas – na minha cidade os polícias
circulam em carros a passo de tartaruga com as sirenes desligadas enquanto os
ladrões enganam velhinhas com histórias de outros mundos – em londres os carros
da polícia correm pelas ruas a grande velocidade enquanto os malvados
arremessam bombas a autocarros apinhados de gente do subsolo – na minha cidade
os sinos tocam sempre a chamar pelo nome – hoje morreu o amilcar padeiro. não
aguentou a partida da mulher. coitado. com os filhos ainda tão pequenos – em londres
os sinos não se ouvem pela falta de nomes – na minha cidade há gente que
escreve como eu. sentado para uma janela que não dá para lado nenhum imaginando
um mar onde as gaivotas são feitas de palavras que de tão pequenas os únicos
olhos que as sabem ler são de quem escreve à janela de um mundo imaginado – em
londres tenho a certeza de que há gente como eu a escrever para uma janela que
dá para uma cidade como a minha – na minha cidade um dia vamos fazer um metro
para trazer londres para aqui – hoje há sol na minha cidade – será que há sol
em londres?
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