hoje tenho entre os dedos um pedaço de terra. trouxe-a de um jazigo para amaciar esta saudade – desde que partiste sinto-me tão perdido. tinha ainda coisas encaixotadas do passado para te dizer. eram importantes. digo eu – não devias ter apanhado esse autocarro. bem sabes que o caminho por aí é demorado. estreito. essa estrada é tão isolada. tão triste. tão sem vida. tão escura. – tenho medo que estejas sozinho e com frio. podias ter levado aquele sobretudo de lã às cores. fazia-te bem mais novo. era lã pura. combinava contigo – um dia vesti-o. irritei-me. não me assentava nos ombros. sempre foste mais aprumado - tinhas as costas sempre tão direitas – as minhas. bem. as minhas sempre foram apenas mais umas costas – tenho dias em que adormeço a acreditar que é possível viver nos sonhos – ontem consegui falar-te com os lábios. sempre depois daquele beijo obrigatório na face. quente. senti eu – deixaste-me ficar um trago açucarado na boca. mel – calei-me. guardei-o no silêncio criado pelos meus olhos. nosso – apeteceu-me estender as mãos. tocar-te – tive medo de acordar. guardei a mão na algibeira. onde tenho cravada a linha da vida que um dia foi cortada pela tua ausência – nesta linha que continua a crescer aos ésses . criei uma árvore em terra fértil quando ainda não via todas as folhas. algumas viviam no topo das árvores. sem luz – era pequeno demais e tu viravas-me sempre para nascente – nos dias em que me pegavas ao colo. as árvores eram enormes – a vida ainda acontecia nos teus braços. fortes. tão fortes que sempre sorria quando me erguias em direcção ao céu – ainda nem imaginava que havia um céu capaz de receber todos aqueles que gostamos – apenas sabia de um jardim infantil criado para mim – havia sempre tanta gente a dizer coisas neste jardim. faziam um quase barulho. talvez um quase música – tu. falavas como se as palavras ainda não tivessem sido inventadas – nunca paravas – e nos teus olhos. nos teus olhos a alma das pessoas – neste mundo. havia um baloiço que nunca parava de ir e vir. como tu. partias para o teu mundo que mais tarde haveria de ser também meu – regressavas sempre. por mais que o tempo matasse o próprio tempo. sempre com um sorriso. sempre o soube – parecia tudo tão simples. bem sei que tu também eras simples – este baloiço andava para lá e para cá devagar. havia ali algo que eu ainda não percebia. sabia apenas que voava sempre de norte para sul – tu bem que me apontavas o caminho. mas era demasiado pequeno para entender que até o sol um dia pode morrer – mas não desistias. os teus gestos eram sempre palavras novas na certeza de ver um homem feliz – na tua presença o baloiço nunca parava: livre. procurava sempre novas palavras. novos ouvidos. novos olhares. novos gestos. esquecias sempre o teu caminho. cortavas o futuro. alagavas todos os longes. ficava apenas um ali. um acolá – as argolas de ferro que te seguravam à vida já rangiam – nesses dias. ouvia-se o vento. mal eu sabia que este ir e vir era já a vida a esgotar-se – cansado. respiravas ainda amparado no sinal da cruz com que te deitavas – tu ainda tinhas um deus. ele também era meu. estamos amuados – para te ser franco dele nada sei – no ar as folhas chamavam o outono – depois. apareceu aquele autocarro. as argolas partiram-se e as cordas começaram a chorar – nesse dia que viajaste fiquei tão só – tínhamos ainda tanta coisa para dizer – mais tarde um homem de chapéu preto chamou-me pelo teu nome. aquele que eu nunca uso por ser só teu. deu-me uma chave com um fita preta sem nenhuma palavra tua – tu não eras homem para partir sem palavras. não eras – tu sempre me dizias: porta-te bem enquanto estou fora. não aborreças a tua mãe – alguém te enganou. digo eu –fomos enganados – tiraram-te a memória para puderes partir sem boca – a dor comeu o silêncio – sei que um dia vais voltar. ou então esperarás por mim. tens de me explicar onde deixaste aquele santinho que usavas na carteira. nunca mais o vi. acredito que volte contigo – sei que um dia me vais pedir para falar da vida que guardo todos os dias – enterro tudo num buraco. onde criei a árvore – a pá é a tua voz.
.................................................................................não tirem o vento às gaivotas
10/11/2010
estes lados. nossos
hoje tenho entre os dedos um pedaço de terra. trouxe-a de um jazigo para amaciar esta saudade – desde que partiste sinto-me tão perdido. tinha ainda coisas encaixotadas do passado para te dizer. eram importantes. digo eu – não devias ter apanhado esse autocarro. bem sabes que o caminho por aí é demorado. estreito. essa estrada é tão isolada. tão triste. tão sem vida. tão escura. – tenho medo que estejas sozinho e com frio. podias ter levado aquele sobretudo de lã às cores. fazia-te bem mais novo. era lã pura. combinava contigo – um dia vesti-o. irritei-me. não me assentava nos ombros. sempre foste mais aprumado - tinhas as costas sempre tão direitas – as minhas. bem. as minhas sempre foram apenas mais umas costas – tenho dias em que adormeço a acreditar que é possível viver nos sonhos – ontem consegui falar-te com os lábios. sempre depois daquele beijo obrigatório na face. quente. senti eu – deixaste-me ficar um trago açucarado na boca. mel – calei-me. guardei-o no silêncio criado pelos meus olhos. nosso – apeteceu-me estender as mãos. tocar-te – tive medo de acordar. guardei a mão na algibeira. onde tenho cravada a linha da vida que um dia foi cortada pela tua ausência – nesta linha que continua a crescer aos ésses . criei uma árvore em terra fértil quando ainda não via todas as folhas. algumas viviam no topo das árvores. sem luz – era pequeno demais e tu viravas-me sempre para nascente – nos dias em que me pegavas ao colo. as árvores eram enormes – a vida ainda acontecia nos teus braços. fortes. tão fortes que sempre sorria quando me erguias em direcção ao céu – ainda nem imaginava que havia um céu capaz de receber todos aqueles que gostamos – apenas sabia de um jardim infantil criado para mim – havia sempre tanta gente a dizer coisas neste jardim. faziam um quase barulho. talvez um quase música – tu. falavas como se as palavras ainda não tivessem sido inventadas – nunca paravas – e nos teus olhos. nos teus olhos a alma das pessoas – neste mundo. havia um baloiço que nunca parava de ir e vir. como tu. partias para o teu mundo que mais tarde haveria de ser também meu – regressavas sempre. por mais que o tempo matasse o próprio tempo. sempre com um sorriso. sempre o soube – parecia tudo tão simples. bem sei que tu também eras simples – este baloiço andava para lá e para cá devagar. havia ali algo que eu ainda não percebia. sabia apenas que voava sempre de norte para sul – tu bem que me apontavas o caminho. mas era demasiado pequeno para entender que até o sol um dia pode morrer – mas não desistias. os teus gestos eram sempre palavras novas na certeza de ver um homem feliz – na tua presença o baloiço nunca parava: livre. procurava sempre novas palavras. novos ouvidos. novos olhares. novos gestos. esquecias sempre o teu caminho. cortavas o futuro. alagavas todos os longes. ficava apenas um ali. um acolá – as argolas de ferro que te seguravam à vida já rangiam – nesses dias. ouvia-se o vento. mal eu sabia que este ir e vir era já a vida a esgotar-se – cansado. respiravas ainda amparado no sinal da cruz com que te deitavas – tu ainda tinhas um deus. ele também era meu. estamos amuados – para te ser franco dele nada sei – no ar as folhas chamavam o outono – depois. apareceu aquele autocarro. as argolas partiram-se e as cordas começaram a chorar – nesse dia que viajaste fiquei tão só – tínhamos ainda tanta coisa para dizer – mais tarde um homem de chapéu preto chamou-me pelo teu nome. aquele que eu nunca uso por ser só teu. deu-me uma chave com um fita preta sem nenhuma palavra tua – tu não eras homem para partir sem palavras. não eras – tu sempre me dizias: porta-te bem enquanto estou fora. não aborreças a tua mãe – alguém te enganou. digo eu –fomos enganados – tiraram-te a memória para puderes partir sem boca – a dor comeu o silêncio – sei que um dia vais voltar. ou então esperarás por mim. tens de me explicar onde deixaste aquele santinho que usavas na carteira. nunca mais o vi. acredito que volte contigo – sei que um dia me vais pedir para falar da vida que guardo todos os dias – enterro tudo num buraco. onde criei a árvore – a pá é a tua voz.
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