foto - sampaio rego
março – nunca sei o que fazer com este mês – março é o mês da
primavera. dos dias a crescer para o imenso. do entendimento entre a noite e o
dia. do vento franzino atado a um papagaio de papel. das crianças enganchadas a
raios de sol delicados – março é memória. ternura. esperança e alento – março é
verde. é flor. é pólen. é andorinha. é braço tatuado de um amor interminável – no
mês de março sou pai. sou filho. sou saudade. sou arrependimento. sou perdão.
sou quase nada. sou quase tudo – sou pai orgulhoso e filho saudoso – sem março
ignoraria a verdadeira importância da saudade – se não houvesse o mês de março
talvez o meu pai não tivesse partido pelo estreito silêncio dos hospitais – mas
março chega logo depois do inverno e no inverno os corpos perdem-se no escuro
das noites e da mudez – no teu inverno as bocas calaram-se em dor – a tua e a
minha – podia ter conversado. podia ter dado as mãos. podia ter colocado o
ouvido no teu peito e guardar para sempre o batimento que te levou – podia
ter-te ajeitado o cabelo para o melhor lado. fazer um ternura. trocar todas as
minhas lágrimas por uma única tua. uma que trouxesse um pouco de mim. uma
recordação da tua memória – podia vestir-te a calça bege vincada. o casaco azul
marinho de trespasse. juntar-te ao peito um lenço cor do céu. ajoelhar-me e
pedir-te perdão por ter sido demasiado jovem ao teu lado – tu sempre gostaste
de gente jovem – podia pôr-te novamente de pé. endireitar-te para um mundo onde
nunca te vi curvado – mas março é março – e tudo que posso agora fazer é
recordar-te no sorriso e na bondade – sei que o céu continua em festa – meu pai
– o mês de março nunca me irá compreender – quando envelhecemos ficamos a saber
tantas coisas do nosso pai – hoje é dia do pai – faz hoje dezoito anos que te
escondeste para sempre debaixo daquela terra maldita – foi a tua última viagem num
silêncio que não para de magoar – era dia do pai – hoje. ainda é dia do pai
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