sempre me senti só aos domingos.
nunca entendi muito bem a metamorfose do corpo ao sétimo dia – no passado. em
minha casa. este dia era dedicado ao senhor
– hoje
já não há senhores em minha casa. o último a bater com a porta foi o meu pai
não gosto do domingo. mas gosto
do silêncio dos domingos. gosto da sensação do não barulho. do não movimento. dos
cortinados parados. das cadeiras arrumadas em círculo a apertar de lamentos baixinhos
a mesa oval – a mesa era redonda mas como eramos muitos o meu pai mandou fazer
um aumento que permitia sentar toda a família à sua volta – a mesa ficava oval
mas para mim era redonda. um redondo perfeito
– desde que o meu pai partiu nunca mais conseguimos tirar o aumento ao
centro da mesa
a mesa oval está cada vez mais imperfeita.
deve ser da forma geométrica. excêntrica – sempre achei que a forma oval nasceu
porque alguém não sabia fazer redondos – os redondos são perfeitos. o sol é
redondo. a terra é redonda. a lua também. os olhos são redondos. tudo que é
redondo é perfeito. o redondo não tem princípio nem fim. o meu pai também não –
o meu pai era perfeito e a mesa oval só era perfeita com ele à mesa – com o meu
pai todas as formas geométricas se transformavam em redondos mais-que-perfeitos
– o meu pai era um homem redondo. não tinha uma única aresta. a vida
deslizava por ele como se o corpo estivesse inclinado para o centro do universo
mas a mesa ali estava. inerte.
quase morta. perdida no silêncio de todos os domingos – enfeita-a com vida um napperon
de linho bordado à mão pela minha mãe. aformoseada por um centro de mesa em
louça fina. também oval com uma tampa com furos para segurar flores que a minha
mãe substituiu por plástico. duram para sempre – se pudéssemos fazer o mesmo ás
pessoas
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