pintura - giovana santiago
II.
e aqui estou. completamente desacompanhado neste
lençol que não quero que acabe. entrevado
em razões que não consigo explicar – enrodilho-me. eu e o lençol numa cumplicidade platónica. amante. doce. num silêncio que não é mais do que o
mundo sem humanos. sem erro. sem punição. sem preconceito e principalmente sem competição – eu destapo a
alma. ele tapa-me o corpo. eu praguejo. ele dá-me serenidade. eu
desisto. ele insiste na vida. eu esqueço-me de mim. ele lembra-me que a patranha só é contrariável
quando permanecemos nos olhos do mundo – felizmente ainda sei que só este meu
corpo magoado faz com que o lençol exista – acabou o gigantismo. não mais crescerei. matei a hormona. estrangulei-a.
decapitei-a da ambição. fiz
acontecer a morte a um corpo ainda a viver.
finalmente – agora estou em desesperança num silêncio resignado. humilde. submisso. pesaroso. em forma de perdão à expectativa – com
o tempo todas as lembranças se apagarão.
a fé toma a dimensão da realidade e a aceitação da desfortuna será apenas um
lamento baixinho: esperávamos mais –
nesse dia restará apenas o nome. somente
um nome singelo. sem imagem. sem boca. sem gestos. sem confiança. será apenas lápide – será no
desconhecido que encontrão a totalidade de mim – revolvo-me mais uma vez e peço
compaixão. peço uma horinha rápida. estou prenho da morte. prometo ao desconhecido que não volto
a reencarnar e aceitarei o inferno como destino para a minha última morada –contorço-me. eu e o lençol. agoniamo-nos. amarguramo-nos. torturamo-nos. enquanto o lamento. em
desespero. pede à boca para pedir
perdão em voz que se faça ouvir pelo mundo – as mãos furibundas enrodilham o
cérebro com o que resta de apego à vontade de viver retirando-lhes o desvario
para a eutanásia – e viro-me para um lado.
depois para outro. e mais outro e o
amanhecer sem acerto. e viro-me
outra vez e nada dá certo. nem eu
nem o lençol cada vez mais amarrotado – afinal tudo estava errado e a saliva a
cair-me pelo canto da boca encharca o travesseiro de um excremento pegajoso que
só pode ser arrependimento – tudo tão real.
tudo tão perfeito na imperfeição – era capaz de jurar que estou a sonhar. mas não estou. sei que as mãos tremem.
os pés destilam ira num lençol gelado por não me aceitarem num branco que não é
branco nem tem cor. enquanto os
buracos das persianas projetam na parede as duas faces da vida: um quadriculado de luz e sombra – e
eu preso por detrás de uma parede que não me serve nem para pendurar um quadro
do meu passado – raio de penumbra cruel – escondo-me de mim e ofereço à miséria
as mãos encaixotadas de um nada que me mata o afecto – e a contagem sem acerto
possível. o deve e o haver paralisados
de tragédia enquanto os olhos se contorcem entre sorrisos e lágrimas – olho
para o relógio e assisto a um infindável movimento dos ponteiros. lento por não ter os segundos a
correr – relógio que não dá horas não alerta do destino – espero um dia acordar
e dizer: não me enganas mais com
promessas. não me enganas com nada. nem que me ofereças um ramo de flores com o perfume de um
poema de herberto – “eu sou uma vida com furibunda melancolia, com furibunda
concepção” – para a frente já quase nada.
tudo lento. para trás. tudo feito numa amálgama de coisas
que mais parece um abraço de apertos – e por aqui fico em partes do tempo que
não compreendo e não sei explicar – se me pudesse explicar seria um de vocês
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