jeffrey smat
[sempre que
perdemos alguém que nos quer bem - com a sua leitura]
procuro-te
procuro-te todos
os dias mesmo que não saiba onde te encontrar
fugiste-me. fizeste-te silêncio.
ocupaste as mãos
que me tocavam com o primeiro sol da manhã
e o que era
pressentimento passou a separação -
agora. tudo me rasga nestas veias de sino
emersas em sangue
e gás sarin -
e sufoco.
sufoco quando
calo esta boca cada vez mais imunda
e por mais que os
astros se alinhem em perdão
o corpo bate em
retirada -
águas perdidas
não moem sentimento -
agora.
o som da tua voz emancipado
pela distância
é fúria de cem
fantasmas
paridos em almofia
de solidão -
procuro-te
procuro-te todos
os dias mesmo que não saiba onde te encontrar
procuro-te para renasceres
no que sobra deste
corpo esquecido -
magoaste-me como
magoa o som da trovoada
cravaste-me a
ausência ao peito
enfureceste-me
roubaste-me o
perdão
e agora as
palavras são o que são:
sujas e aflitas -
maldito seja este
eu que vive na ponta da flecha -
procuro-te
procuro-te todos
os dias mesmo que não saiba onde te encontrar
não te procuro para
escutar o teu nome ofendido
procuro-te para que
me voltes a encontrar em frente a ti -
olha-me. corta-me
com o silêncio que inventaste
e a pedra que não
atiraste
nunca mais te voltará
à mão -
fugiste-me.
fizeste-te memória
nessa corda silenciosa
presa a pássaro
que não voa -
nem sou deus. nem diabo
nem proveito preso
a sino que bate ausência
sou talvez… sentença
magoada -
procuro-te
procuro-te todos os dias mesmo que não
saiba onde te encontrar
procuro-te mesmo que o corpo já não
saiba o que procurar
e por cada pancada do sino
paira uma gaivota no ar -
e pergunto à boca:
será este o meu destino?
não sei -
ouvir-te é um desígnio
nesta imensidão de mim
que te procura sem cansar -
serei doente em terra apodrecida?
não sei -
as veias dilatadas de tanto escorrer fim
amargam raiva num desvario
despercebido -
raio de dor essa de ter sinos a gemer
se não sei a cor do que geme
nem o que geme é alerta
dentro de mim -
e agora estou assim:
coisa inútil nesta espera
que te espera -
procuro-te
procuro-te todos os dias mesmo que não
saiba onde te encontrar
procuro-te para que me declares de vez
o silêncio da tua boca -
mas se as palavras te fugirem para a
indiferença
que seja por carta ou por abraço
que o destino me desprenda ao que
sobra das manhãs -
e se um dia morreres dentro de mim
então.
os sinos que batam sem parar
batam sem ser devagar
batam castigo que não seja dor
porque o tempo roubado a vénus
é punição que não sustento -
procuro-te
procuro-te todos os dias mesmo que não
saiba onde te encontrar
e o que parecia um sonho
é afinal um avião a voar para o fim do
mundo -
fugiste para onde eu nunca parti.
e o corpo é agora um grito que ecoa em
palavra triste:
mata-me. mata-me ou salva-me da
tourada
em que ficou a minha rua -
acende-me o corpo com os teu olhos
incendeia-me as mãos de virtude
mesmo que o sol se esconda no teu
regaço
e se algum dia escutares touros a
correr com saudade.
se algum dia ouvires sinos a evocar tristeza
e mesmo que nada entendas de cores
não me voltes a fugir.
são apenas palavras minhas
a falar para ti -
procuro-te
e pela última vez te imploro
lê
este poema é teu -
[abril trouxe-me ao mundo – brevemente
completarei mais um aniversário natalício e mais uma vez a soma deste
aniversário é diferente da soma de tudo que aprendi no último ano – mas a vida já
me ensinou a não procurar o santo graal – escrever é a minha expiação. absolvição e pacificação do corpo –
sou feliz a escrever e se houvesse uma porta para o passado. tipo exterminador. sentar-me-ia
na primeira carteira da minha escola primária para aprender todas as palavras que deixei ficar para trás –
escrever faz-me viver em compromisso de bem.
com dignidade. com verdade. num abraço silencioso. amigo e infindável – por isso aqui
estou. em palavra humilde. com afecto e com um imenso obrigado a
todos aqueles que se me entregam com a sua leitura – confesso-vos que nada mais
me poderia fazer tão feliz – grato para sempre]