.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

08/04/2018

este poema é teu







jeffrey smat


[sempre que perdemos alguém que nos quer bem - com a sua leitura]




procuro-te
procuro-te todos os dias mesmo que não saiba onde te encontrar
fugiste-me. fizeste-te silêncio.
ocupaste as mãos que me tocavam com o primeiro sol da manhã
e o que era pressentimento passou a separação -
agora. tudo me rasga nestas veias de sino
emersas em sangue e gás sarin - 
e sufoco
sufoco quando calo esta boca cada vez mais imunda 
e por mais que os astros se alinhem em perdão
o corpo bate em retirada -
águas perdidas não moem sentimento -
agora. 
o som da tua voz emancipado pela distância
é fúria de cem fantasmas
paridos em almofia de solidão -

procuro-te
procuro-te todos os dias mesmo que não saiba onde te encontrar
procuro-te para renasceres
no que sobra deste corpo esquecido -
magoaste-me como magoa o som da trovoada
cravaste-me a ausência ao peito
enfureceste-me 
roubaste-me o perdão 
e agora as palavras são o que são:
sujas e aflitas -
maldito seja este eu que vive na ponta da flecha -

procuro-te
procuro-te todos os dias mesmo que não saiba onde te encontrar
não te procuro para escutar o teu nome ofendido 
procuro-te para que me voltes a encontrar em frente a ti -
olha-me. corta-me com o silêncio que inventaste
e a pedra que não atiraste 
nunca mais te voltará à mão -
fugiste-me. fizeste-te memória
nessa corda silenciosa
presa a pássaro que não voa -
nem sou deus. nem diabo
nem proveito preso a sino que bate ausência 
sou talvez… sentença magoada -

procuro-te
procuro-te todos os dias mesmo que não saiba onde te encontrar
procuro-te mesmo que o corpo já não saiba o que procurar
e por cada pancada do sino 
paira uma gaivota no ar -
e pergunto à boca:
será este o meu destino? 
não sei -
ouvir-te é um desígnio
nesta imensidão de mim 
que te procura sem cansar -
serei doente em terra apodrecida?
não sei -
as veias dilatadas de tanto escorrer fim
amargam raiva num desvario despercebido -
raio de dor essa de ter sinos a gemer
se não sei a cor do que geme
nem o que geme é alerta
dentro de mim -
e agora estou assim:
coisa inútil nesta espera
que te espera -

procuro-te
procuro-te todos os dias mesmo que não saiba onde te encontrar
procuro-te para que me declares de vez
o silêncio da tua boca -
mas se as palavras te fugirem para a indiferença
que seja por carta ou por abraço 
que o destino me desprenda ao que sobra das manhãs -
e se um dia morreres dentro de mim
então.
os sinos que batam sem parar
batam sem ser devagar
batam castigo que não seja dor 
porque o tempo roubado a vénus
é punição que não sustento -

procuro-te
procuro-te todos os dias mesmo que não saiba onde te encontrar
e o que parecia um sonho
é afinal um avião a voar para o fim do mundo -
fugiste para onde eu nunca parti.
e o corpo é agora um grito que ecoa em palavra triste:
mata-me. mata-me ou salva-me da tourada
em que ficou a minha rua -
acende-me o corpo com os teu olhos
incendeia-me as mãos de virtude
mesmo que o sol se esconda no teu regaço
e se algum dia escutares touros a correr com saudade.
se algum dia ouvires sinos a evocar tristeza
e mesmo que nada entendas de cores
não me voltes a fugir
são apenas palavras minhas
a falar para ti -

procuro-te
e pela última vez te imploro
este poema é teu -



[abril trouxe-me ao mundo – brevemente completarei mais um aniversário natalício e mais uma vez a soma deste aniversário é diferente da soma de tudo que aprendi no último ano – mas a vida já me ensinou a não procurar o santo graal – escrever é a minha expiação. absolvição e pacificação do corpo – sou feliz a escrever e se houvesse uma porta para o passado. tipo exterminador. sentar-me-ia na primeira carteira da minha escola primária para aprender todas as palavras que deixei ficar para trás – escrever faz-me viver em compromisso de bem. com dignidade. com verdade. num abraço silencioso. amigo e infindável – por isso aqui estou. em palavra humilde. com afecto e com um imenso obrigado a todos aqueles que se me entregam com a sua leitura – confesso-vos que nada mais me poderia fazer tão feliz – grato para sempre]




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