[gaivotas]
a minha única forma de evasão à
loucura é a caneta. ou teclas – agora é tudo moderno. tudo tecnológico. tudo
numa velocidade enfurecida. com gês para lá e para cá. a fabricar estradas que
ninguém consegue ver. e as portas USB escancaradas a vírus que chegam sem se
saber de onde. e mais fios. mais wireless. o antivírus a trabalhar como um
louco. e o correio indesejado a entrar para SPAM. enquanto os convites para sexo
virtual apelam à virilidade de um visa dourado – o corpo carregado de pedras e
dúvidas. debruçado sobre letras. a tatear melancolia. e as luminárias acesas. a
clarear as incertezas num espaço cerebral vazio de grandeza – juro que gostava
de saber se escrevo porque penso. ou se escrevo para me fazer existir. mas não
sei – talvez as pedras existam para fazerem de mim um terráqueo melhor. um
género de livre trânsito para a imortalidade da alma. ou energia: quantas mais
pedras carregares. mais constelações visitarás quando abandonares o planeta terra. e quem sabe.
se as pedras forem mesmo grandes. do tamanho da taj mahal. um dia. terás um planeta sem pedras só
para ti – é desta forma que o universo recupera a energia que acumulamos ao
logo da vida: lava-nos. purga-nos do erro e das pedras. e depois. acolhe-nos
para fazer de nós uma estrela. ou um cometa. ou outra qualquer coisa que vagueie
pelo espaço – nada do que escrevo é certo. nada do que escrevo me leva para
longe do mundo. ou para outra dimensão. ou planeta. ou me faz renascer – hoje.
sei melhor do que ontem que tudo o que escrevo nunca passará de um rascunho. um
amontoado de riscos quase inúteis. lixo. digo eu sem piedade – então porque
escrevo? escrevo para repousar. para conseguir sossego. para viver o que as
gaivotas vivem: surfar o vento. voar entre o mar e os astros. planar o sol. e sentir
na pele a imensidão de uma terra azul. redonda. com almas. sol e sal – e ao fim
de cada voo. quando regresso a mim. absolutamente saciado da terra azul.
redonda. com almas. sol e sal. entrelaço-me nas memórias. e ali fico numa
desapoquentação absoluta. a trazer à vida todos aqueles que não sou capaz de
esquecer – estou algemado. preso às reminiscências. a respirar sofrido. a
procurar um atalho que me devolva a serenidade das crianças – e por aqui ando. a recolher despojos da minha guerra. a absolver
o erro “da minha culpa. tão grande culpa” batendo com a mão no peito vezes sem
conta. afligindo-me. martirizando-me. angustiando-me. gerando dor até que esta se
agigante e o erro se torne insignificante – tal como o ulisses se fez passar
por mendigo para entrar em ítaca. também eu me farei passar por um ser de luz
para entrar no universo – um dia. talvez daqui a um século. esse universo em
que acredito. me regurgite novamente neste planeta azul. redondo. com almas.
sol e sal. e quem sabe. dessa vez… sem pedras. apanharei uma estrada em vez de
um atalho – viver não é fácil. fabricamos toneladas de amor. dia após dia. levamo-lo
às árvores. aos animais. às nuvens. às montanhas. aos mares. nos canapés. nas festividades.
aos amigos. até aos inimigos em forma de perdão. e quando nos sentamos diante do
pôr do sol… chega a noite a galope. e leva-nos tudo: a terra azul. redonda. com
almas. sol. e sal. leva-nos o amor. ficamos solitários. somos o mundo num mundo
sem luz. e nenhuma estrela se senta a nosso lado. tornamo-nos mendigos. sem
abrigos. ficamos tão sozinhos que o universo cabe dentro de nós – só nos resta
esperar pelo dia para voltar ao amor. fabricá-lo é sobrevivência
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