acredito que todos os pais amem os seus filhos com o mesmo
sentimento louco e absoluto com que amo os meus – este mistério do amor incondicional.
transversal a todos os progenitores.
irrita-me. digo. irrita-me profundamente – gostava de ser o pai que mais
amasse os seus filhos em todo o mundo: o pai the best. the best crazy dad in
the world – mas para ter a certeza desta minha loucura persistente. e infinita
também. necessitava que houvesse um medidor de amor. tipo aparelho de medir a
tensão. mas em vez de abraçar o braço. abraçava o coração. e começava a encher
de amor. a apertar cada vez mais. a estrangular o batimento. a acelerar as
palpitações. e uma dor boa a invadir os aurículos. e os ventrículos a
lastimarem-se em mel. a pedirem mais dor. “no pain. no gain. o que quer dizer:
sem dor. sem ganho”. e os números no aparelhómetro a subir. a passar os mil e
muitos. e os alarmes a zoar. os pulmões a abafar. as pernas a titubear. os braços
a tiritar. os olhos a revirar. a mente a levitar. e o túnel de luz branca a
chamar pelo nome: sampaio. vem. caminha. aqui o amor é ilimitado – e por fim a
mensagem no mostrador do aparelhómetro: acabou de entrar para o guinness como o
pai que mais ama os seus filhos em todo o mundo – infelizmente não há nenhum
medidor de amor. terei que viver com esta dúvida constante e aterradora.
adaptar-me. aceitar. às vezes contrariado. às vezes imensamente irritado. às
vezes a consentir a dúvida. a permitir o seu assento no coração. mas que me
aflige esta incerteza. aflige. e muito – mas se por obra do diabo. aparecesse
um pai que amasse mais os seus filhos do que eu os meus. o que creio ser
impossível. mesmo para satanás. juro que me mataria de vergonha. colocaria uma
asas de cera e atirar-me-ia contra o sol até que me incendiasse. e me
estatelasse no chão morto como ícaro – ser pai foi uma missão desejada. possível
e fantástica – gostava que quando o carteiro tocasse à campainha de minha casa perguntasse:
é da casa do pai que mais ama os seus filhos em todo o mundo? e eu de voz
afinada em orgulho respondia: é sim. mas fique o camarada a saber que ainda não
os amo o suficiente – ando agora a ler um livro para ver se consigo amar ainda
um pouco mais. já amo daqui até marte. mas quero chegar a saturno. e quem sabe
um pouco mais longe – hoje. dou comigo a pensar que homem seria se não tivesse
sido pai. como teria envelhecido? que desculpas encontraria para justificar
tamanha estupidez? o que escreveria para me desculpar desse devotado egoísmo? os
meus filhos são o meu paraíso. é neles que descanso. eles são o meu infinito.
são a minha ode à vida. com os meus filhos não me ouço respirar. nem há mar a
ir e a voltar. nem bem-me-queres a espigar. nem vida depois da morte. eu morro
e ressuscito sempre que os tenho ao pé de mim – não é possível passar este amor
para papel. não há dom terreno. nem divino. nem arranjo nas mãos. nem figuras
de estilo que sustentem tamanho afeto. tamanho sofrimento bom – amar os filhos
é uma multiplicação diária. é ofertar a alma e corpo. é viver em generosidade
permanente – eu componho estes textinhos com coração. tento escrever este amor
que me arde sem parar. mas digo: tento. sou teimoso. mas quando acabo de tentar.
quando tenho que colocar o ponto final. envergonho-me. e volto a dizer para
mim: não vales nada como escritor sampaio. se não fossem os teus filhos então é
que não valerias mesmo nada. eles são a tua grande obra. o teu grito de edvard
munch. a tua noite estrelada de vicent van gogh. o teu beijo de gustav klimt. o
teu carregador de flores de diego rivera. a tua persistência da memória de
salvador dali… os meus filhos são a minha guernica de pablo picasso. o meu
sorriso de mona lisa. a família de paula rego – os meus filhos são a minha
arte. o meu espelho mágico. porque em cada um deles eu acabo sempre por me
encontrar. e digo: eu também sou assim. eu também faço assim. eu também ando
assim. eu também olho assim – por esta arte minha eu levaria com seta. bala. ou
tiro de canhão – gostava que depois da minha morte a minha casa tivesse uma
lápide pregada à parede. gigante para que fosse fácil o seu avistamento da lua.
e que dissesse: aqui morreu o homem que mais amou os seus filhos em todo o
mundo. paz à sua alma
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