foto - sampaio rego
o medo nasce com o primeiro grito de vida – depois.
com o tempo a caminhar descontroladamente pelas mãos. descobrimos que a
imortalidade não existe – gritamos mas já não vamos a tempo de mudar nada do
que está para trás – a história está feita – a foto é real. em cima da cómoda.
em momentos desordenados o tempo parado. pendurado na verdade de um passpatour
preenchido de sorrisos instantâneos – afinal nunca estivemos parados – descobrimos
o que sempre soubemos nos silêncios – estamos perturbados. questionamos se a correria
é igual para todos ou se foi uma escolha nossa. talvez uma mescla de destino.
sorte, azar e encontros que não controlamos – aquela criança que ainda ontem
tinha dado o grito da vida. mais não fez do que expandir os pulmões. sugou todo
o ar que cabia dentro de si e nunca mais parou de correr – correu. correu. correu
sem perceber que os pés estavam sempre à frente do corpo. e os olhos. loucos
pelo que viam. corriam ainda mais do que as pernas. descansavam no infinito.
esperavam todos os dias o amanhecer. só eles sabiam que ainda havia muito por
ver – ver é voar para lá do corpo – todos os corpos têm asas – como diz um
amigo meu. todos os corpos são gaivotas. vivem pousados em vento. o destino é
feito pelo tamanho das asas – chegamos onde as asas nos levam. o vento sempre
existiu. a dúvida é: erro ou destino? nunca saberemos. talvez as duas coisas.
talvez a mutabilidade do corpo. talvez da mente. talvez sem saber nascemos umas
quantas vezes. e estamos sempre a dar gritos de sobrevivência – e agora? agora
corremos. em sufoco. queremos chegar ainda a tempo de recolher todas as
lembranças para dentro de um corpo que. sem darmos conta. está ocupado de
quinquilharias – não há espaço. só há espaço no futuro que continuará a fluir
para a frente dos desejos – temos medo de perder as mãos. os olhos. as pernas.
o saber. a sensibilidade. o carinho. temos medo de perder esta forma de
escrever. de dizer coisas – não podemos perder o que resta do tempo. andamos enquanto
pudermos. na praia. olhamos enquanto pudermos. os amigos. usamos as mãos
enquanto pudermos. para abraçar. escrevemos enquanto pudermos. afeto. sensibilidade.
paixão e alegria. por cada dia de conquista. como aquele em que demos o primeiro
grito –
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