foto - sampaio rego
escrevo – quem diria que um dia
passaria o meu tempo a escrever o passado – aprendi a escrever faz tanto tempo – ainda
me lembro muito bem da minha professora primária - dona felismina. que bonita
que era - e de um diploma que trouxe para casa - dezassete valores. aprovado – devidamente
assinado e autenticado com selo branco escolar – um orgulho de diploma. ainda o
guardo – em casa tudo continuou como dantes. os diplomas só valiam quando davam
títulos
- - gostava tanto que fosses dentista -
dizia a minha mãe
mas eu queria ser bombeiro. o
risco. a vaidade com que enfeitavam as fardas de medalhas. as sirenes. os
carros vermelhos. as escadas suspensas a vozear presa enquanto a esperança se
aguentava pendurada em mangueiras aflitas – eram homens bonitos e transportavam
com eles uma inesgotável e merecida reverência – eram os soldados dos afetos – passou
tanto tempo – agora sei que apesar do diploma nunca aprendi verdadeiramente a
escrever. uma mágoa que nunca irei sarar – também nunca cheguei a bombeiro –
mas daqui não me resta dor. não se perdeu um grande soldado da paz – estou em guerra
comigo desde que nasci – fiquei-me pela arte de juntar letras e assim me dar a
entender. com muito custo – resumindo: sou um minúsculo escritor autofágico. alimento-me
de tudo que é meu para escrever – e assim vou adiando a morte
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