.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

04/04/2016

autofágico




foto - sampaio rego

 

 
escrevo – quem diria que um dia passaria o meu tempo a escrever o passado – aprendi a escrever faz tanto tempo – ainda me lembro muito bem da minha professora primária - dona felismina. que bonita que era - e de um diploma que trouxe para casa - dezassete valores. aprovado – devidamente assinado e autenticado com selo branco escolar – um orgulho de diploma. ainda o guardo – em casa tudo continuou como dantes. os diplomas só valiam quando davam títulos
 
- - gostava tanto que fosses dentista -  dizia a minha mãe
 
mas eu queria ser bombeiro. o risco. a vaidade com que enfeitavam as fardas de medalhas. as sirenes. os carros vermelhos. as escadas suspensas a vozear presa enquanto a esperança se aguentava pendurada em mangueiras aflitas – eram homens bonitos e transportavam com eles uma inesgotável e merecida reverência – eram os soldados dos afetos – passou tanto tempo – agora sei que apesar do diploma nunca aprendi verdadeiramente a escrever. uma mágoa que nunca irei sarar – também nunca cheguei a bombeiro – mas daqui não me resta dor. não se perdeu um grande soldado da paz – estou em guerra comigo desde que nasci – fiquei-me pela arte de juntar letras e assim me dar a entender. com muito custo – resumindo: sou um minúsculo escritor autofágico. alimento-me de tudo que é meu para escrever – e assim vou adiando a morte



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