.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

31/05/2016

zero





imagem google
 
 
 
o capitalismo também se apresenta em lata. e agora. para decepar os resistentes. nasceu a zero. zero calorias – a coca-cola conquistou o mundo da escrita. as palavras tombam embriagadas de cafeína – o artista não dorme. devassa a noite em glosas marginais – contorce-se o papel em mãos geladas – amanhece – solta-se o dia. e todas as palavras ensopadas. ensonadas e encravadas organizam-se em música – começa a tocata e fuga em ré menor. johann sebastian bach – saia um expresso rápido por favor. tenho o carro mal estacionado e um pacto de estabilidade para fazer cumprir



26/05/2016

triste é...





 
 
 
triste é estar só
triste! é não saber o que fazer
não saber o que pensar
não preparar o futuro
esquecer o passado
chorar sem saber porquê
desfrutar de lágrimas insossas
dizer não ao sim.

triste é não ver o pôr-do-sol
não sentir a chuva
o vento
o aroma das flores
o grito dos animais
os gestos mudos
os carros a passarem
o telefone a tocar.

triste é não poder vaguear
não sentir dor
escrever sem saber
largar os remorsos
partir os espelhos
ser o que não somos
ter medo do dia
querer o que não podemos

triste é não amar
não olhar
filosofar para o espaço
não ter hora nem abraço
não ter leito
paz ou capataz
correntes, amarras ou
âncoras.

triste é não ter poemas
livros com prosas
bíblias de amor
saudades finitas
pensamentos
pecados
omissões
guardiões.

triste é não ter mãe
esquecer o pai
estragar o fruto
congelar o sabor
ter um tempo depois
um adeus
uma cobardia
um fantasma.

triste é não ter memória
um abrigo
um choro de irmãos
um avô que te espera
uma avó que tricota
um vizinho
um amigo
um inimigo.

triste é sermos diferentes
desprezados no olhar
referenciados e marcados
esquecidos
contidos e odiados
chorados
olhados
espoliados.

triste: é apenas o contrário de alegre
.
.
26 / 12 / 2002 - “ na companhia da solidão “
.
.
poema na voz da poetisa vony ferreira que. de uma forma especial deu ás palavras do poema uma outra interpretação desconhecida ao seu autor - sempre fiz uma leitura rápida e intensa onde cada oitava é uma respiração - mas gostei também muito desta declamação - a “pacatez” das palavras

 



25/05/2016

corrente[s] na escrita




foto - sampaio rego

 
bem que deixo o corpo partir pela corrente de água do que penso – depois. chegado ao fim do percurso. olho para trás. e dou conta de que tudo o que escrevi foi unicamente trabalhado pela força da água. arrastou ao acaso as palavras. e eu iludido a imaginar que eram as mais certas – desilusão – e aqui começa o desespero – volto atrás. corto palavras. risco. modifico. altero. recupero memórias e deixo partir tudo na mesma linha de água – reescrever é sofrimento. desespero. agonia. frustração e a água cada vez mais transparente. mostra o caminho tal e qual como é – levanto as mãos aos santos em quem não acredito e pergunto: se gosto de escrever porque não me destes vós a arte e o engenho de escrever o que sou em harmonia com o meu corpo – revolta – não sou como aquela mãe extremosa que é atraiçoada pelo amor. ao contemplar o seu filho feiinho sorri com o único sorriso verdadeiro do mundo. e os seus olhos. sem mentir. dizem que é o mais belo – tudo o que faço está aquém do belo que imagino – mas a luta continua. sempre – obrigado e um grande beijo


comentário para uma amiga - mulher de 1 texto só

06/05/2016

a tenda




foto - google



1.

a tenda está montada – as colunas de som anunciam mais um grande espetáculo numa noite toda ela investida pelo rigor dos trajes – começa o desfile dos decotes e dos entretenimentos – o espaço é todo ele glamour. um desafio ao infinito da mente humana. ao deslumbramento. ao encantamento. ao sonho – a cair do céu. lustres envoltos em brilhos. projetam cores de um arco-íris que. na sua extremidade. esconde o santo graal das mil e uma noites – tudo leve. tudo alma. tudo transparência. tudo sensualidade. enquanto a música toca charme em decibéis que são melodia de acasalamento – e todo mundo sabe conversar. sabe manear o corpo num tempo perfeito de insinuações – e as luzes acendem e apagam. e agora uma vermelha. logo outra azul. e mais uma amarela. e em cada intervalo de luz o belo protegido por sombras intermitentes – cai dos altifalantes um encosta-te a mim. cai gesto. cai charme. cai um beijo dos lábios e os sorrisos desfazem-se de boca para boca – as palavras são agora notas de concordância numa clave de sol perfeita – o ar quente sobe. os vestidos também. o astral. o charme. os sapatos de plataforma. os soutiens push-up. tudo a subir sem parar. o deleite. a volúpia e a loucura também – a descer só mesmo os decotes atracados aos olhos cobiçosos dos cavalheiros que. silenciosamente. deslizam para o seu interior numa gula luxuriosa e delirante – preso em jeans. o cio.  rompe dos corpos num rugido de guerra silencioso. mostrando ao corpo que não há luxúria sem imaginação – o que é da noite. na noite em segredo fica para sempre – e entra a “elegantérrima”.  logo em seguida a excitadíssima e a estranhíssima. e num toque de magia rola o sumiço da sensatez – explode a insinuação – e a boca do lobo mau na face de cada macho. perseguem o gozo perdidos em ereções azuis. robustas e vigorosas – homem que é homem bebe whisky. tresanda a tabaco. brota cabelo do sovaco e promete à mulher o orgasmo de todos os orgasmos – o delírio masculino retratado pela fábula do sapo e do escorpião: é a sua natureza – o bom senso. aos poucos. é corroído em goladas curtas e obstinadas – e o desfile dos corpos cada vez mais entrelaçado com o pecado – entra na vitrina a mal casada. seguindo-se a oferecida. e mais uma que não se dá por nome nenhum – o vazio da tenda começa a desaparecer. enquanto em sentido inverso emerge a provocação quente e sensual – as fantasias avolumam-se e a espectativa agiganta-se num espaço cada vez mais comprimido  – finalmente homens e mulheres em igualde na sua plenitude – e o barman. numa ligeireza absoluta. esgueira-se em sorrisos pelo meio de roucos e desesperados apelos gorjais. e a cada súplica. grunhe em simpatia uma jura de que a culpa é de vénus – ele é apenas um simples mortal enviado para matar a secura das bocas. sabe que mais tarde ou mais cedo a desvirtude tomará conta do seu corpo – a festa também é dele – o álcool não protege a moral dos bons costumes – rompe pelo balcão mais uma caipirinha que. não vinda do brasil. traz no seu interior as batidas sensuais do samba. a ousadia. prometendo fazer rolar bundas num ritmo da excitação raivosa. enquanto os másculos. em uníssono. reclamam mais tesão para o salão – os RP`s. com mais de mil amigos facebookianos. recebem todo mundo numa aflição galopante – -- boa noite. sejam bem-vindos ao nosso espaço – multiplicam-se os meneios íntimos. amontoam gestos. dobram simpatia. descobrem sorrisos. inventam adaptabilidade e prometem a cada cliente uma noite para mais tarde recordar – para estes colaboradores cada palavra gasta é um empurrão de afetos para a confusão – e as apresentações repetidas até ao esgotamento – o barulho das vozes e dos gestos é agora infernal num bar atulhado em súplicas de prazer – e mais um red bull com vodka para ali.  e um bulldog com frutos às cores para a amante do cavalheiro de negro – os corpos encontram-se. tocam-se. beijam-se e insinuam-se em danças que já são de pré copulação – e a tenda repleta de gente. repleta de glamour. repleta de encantos. de ilusão. de desejo sexual primitivo – a noite a explode – os decibéis da música deslaçam finalmente a timidez da cinquentona que. promete tudo o que tem num corpo XS. enquanto a da alta sociedade. ao lado da de nariz-empinado. faz brilhar num triple XL o valor de cada lantejoula – o ambiente na tenda enlouquece. as paredes tremem. e a batida house faz pular a olívia que não é palito. deixando a multidão a dizer: que borrachito. que borrachito. e o povo em suspiros diz em voz de surdina: quero dançar com ela. quero dançar com ela – e quem não pula não tem tesão – loucura loucura. diz a turma em voz viril enquanto a mulata mostra o rabo até à exaustão – e elas. perdidas em lascivas agitações. derretem-se em sorrisos vaginais – toca uma quizomba do anselmo. não me toca. lenta. muito lenta. e tudo aos pares. perfeitos. protegidos pela magia do encantamento que só se quebrará com o orgasmo. enlaça as almas pecaminosas em gemidos que não são de sofrimento – os corpos entrelaçam-se. colam-se. os traseiros contorcem-se numa dor que vem da falta de pudor. e os joelhos para ali. e as ancas para o outro lado. enquanto as mãos se perdem em desejos desesperados – e o pecado a dizer ao ouvido: mais. mais. não pares agora. e um arrepio. e uma mão na cabeça a dizer vais ser minha. e a outra para cima e para baixo. e o desejo promiscuo amarrado a um beijo que fica para o resto da noite a latejar – e tudo que era mulher séria é agora mulher excêntrica. adultera. pervertida. tudo que era cavalheiro virtuoso é agora cavalheiro adúltero. gigolô. atulhado num tesão escorado numa robustez eriçada pelos químicos – e a música a acelerar a decomposição dos corpos num protocolo assexuado – a noite não para de surpreender. os corpos não desistem da excitação. os rostos pedem mais aperto enquanto as nádegas saltitantes gemem entaladas em rendas que já não são mais elástico – todo o XL é um ESSE justo que não se cansa de dizer: sou a mais bela gaja do universo e de cima dos meus sapatos luís onofre sei falar como ninguém – sou toda etiqueta. sou alta costura e não estou aqui para qualquer um – olhai olhai. no que é meu não tocais a não ser que digam que sou a mais gostosona do reino – sou rainha. ninfomaníaca. louca e sinto-me toda molhada – enquanto a mal casada. num sorriso que é passadeira diz: cheguei meus amores. estou linda de morrer e é bem-vindo quem vier por bem – a repinhas. cada vez mais mal-amanhada. para não ficar atrás. abre o decote e diz em espanhol que não é de espanha: “estoy muy caliente y soy una chica guapíssima. mui respetada y apreciada” enquanto o marido. de vigores estrogénicos. vai abanando a cabeça numa anuência predadora – para este chico a arte de caçar é igual à praticada pelo homem da pré-história. uma selvajaria sem regras disfarçada numa simpatia saloia – nada lhe escapa – e os copos a baloiçar entre a cerveja e o blue lagoon. entre uma kizomba e um movimento de olhos que anuncia a qualquer momento sexo em doses ilimitadas – e tudo é boca. sorriso. e tudo honoris causa. saber. arte produzida de encomenda. costurada corpo a corpo. mente a mente – em cada cérebro o ímpeto tosco de uma exclusividade suportada por um ego só suplantado pelo divino – e quem nasce macho. macho morre – é a hora do zé triste – encostado ao balcão. de copo na mão. ginga o corpo num enredo de cautela aristocrática – fidalgo. exclusivo e elitista arfa arrogância em ritmo de nobreza real e em cada golada a fantasia de um orgasmo imperial  – vai  imitando o camaleão com desdém: um olho para as gajas e o outro na sua garina que. em hábitos curtos e maliciosos. mostra aos homens o arrojo carnal de quem sabe que o seu clímax será sempre cerebral – estamos no epicentro da noite. a música é agora aglutinadora. tudo salta. tudo canta. e tudo é dito em delírio pela françesa: “oui. je me sent une fou” – e o suor a emanar cheiro que é sinal de desvario – na pele a explosão de hormonas canibalescas fazem cintilar os corpos de desejo agâmico – e elas dissimétricas da razão contorcem-se. tudo já é padecimento. aspiração. desespero. aflição. e entre o corrimento fértil de uma vida a certeza de que finalmente estão emancipadas do mundo das normas  – sexo por sexo precisa-se e exige-se – e os machos sem saberem o que fazer a tanta profanação do bom senso. perdem-se em galanteios desnecessário – desdobram-se em ereções inúteis que terminam em ejaculações precoces –  o mundo masculino lida mal com o que lhe é oferecido por prazer – há uma nova liberdade. um novo pulsar da vida no relógio biológico humano – e todo o mundo se interroga: será que sou louco? não. não. e não

2.

e a divina comédia de dante reformulada numa viagem renovadora ao mundo da libertinagem – já não há mais inferno para quem quer ser feliz. a pureza da alma constrói-se com a simplicidade do amor – a felicidade só pode ser alcançada na sua plenitude  a partir da verdade e da lealdade que cada um tem com o seu próprio corpo. o seu autoconhecimento de um eu genuíno – só a mentira mata o afeto. mata a autoestima. a autoconfiança. a autoaceitação positiva – o purgatório está agora desabitado para sempre enquanto satanás devora o manual do pecado capital – já não mais serão sete – o paraíso é feito na terra e só está ao alcance daqueles que amam a justeza – quando nos aceitamos na totalidade aceitamos tudo o resto como um complemento positivo à nossa vida – a manhã traz um novo sol para dentro dos corpos. e em paz. regressamos ao lar em perfeita consonância com as leis universais do amor – há uma harmonia com a natureza das coisas que não se explica – os corpos são devolvidos a outra realidade numa mesmíssima alma – a explosão da afeição. da ternura. da estima. do companheirismo e da cumplicidade acontece com a chegada ao lar – tudo por aqui é perfeito – o mundo é redondo. e cada um de nós habita-o numa milésima partícula de terra. única. como uma impressão digital – o nosso ninho espiritual que ninguém sabe onde fica a não ser o próprio – um ponto imaginário para quem nos marca pela indiferença.  um ponto real para os que nos abraçam com a bondade de um universo tendencialmente fraterno – o meu está aqui. mesmo à frente do vosso sentir – basta acreditar





04/05/2016

solidificação do belo




foto - sampaio rego



 
 

os jardins a florir
e a lua sempre a
nascer e morrer

ser ou não ser. eis a questão
talvez um estrangeirismo aformoseie:
“to be, or not to be”

ou

uns e os outros
“les uns et les autres”

adito apenas arte à estética
o belo aos sentidos
mesmo que apenas conte cinco
a emoção existe

na morte
no nascimento
nalua
na flor
no mar

poderá ser:
bolero de ravel
trauteando [meticulosamente]
imagens em pautas de música



02/05/2016

para uma ana




foto - sampaio rego
 
 
 
que bom ana que vieste até aqui. que saudades de te ter perto das palavras – estou feliz. mesmo feliz. a felicidade não se escreve. digo eu que quando fico feliz desapareço do corpo e as mãos ficam á deriva – as palavras. estas que me fazem escrever compulsivamente partem também. livram-se deste maluco que tem a mania de escrever testamentos – que tu conheces – hoje. como estou feliz por me estenderes a mão às palavras vou-te abraçar. abraçar com força e segredar-te o que já todo o mundo sabe: é bom saber que eu existo para ti – dizem que isso é amizade. que palermice. que simplicidade. que insensibilidade. é mais. muito mais. para mim é sobreviver. é saber que ocupo espaço no espaço de alguém que gosta de mim assim. doido por apenas saber dizer as coisas a escrever – desculpa ana. tens razão. já tive tempo para te dizer que também é bom estares na minha vida. tu e o filipe – agora vou embora. nem sei muito bem como acabar este comentário. talvez como quando escrevi o primeiro comentário para ti. quando as noites eram grandes e tu ainda andavas sem relógio