.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

08/02/2017

epitáfio




pintura de michael borremans


onde o descanso não existe tudo permanece imutável – aceito então o dia tal e qual como o faço aparecer – a mágoa de ver a minha humanidade morrer já não é agonia nem aflição. é um atalho para a liberdade – a liberdade para o espírito também é possível ocorrer com o armagedon – “como direi. uma liberdade absoluta”. largada em voo de borboleta. num vagar feito de pressa. em voltas cegas de fantasia onde o daqui para acolá se torna uma dimensão impossível de medir no tempo – o momento cruel – a realidade só existe no agora – tudo que verdadeiramente existe em mim são campos inesgotáveis de malmequeres alinhados numa mestria ortodoxa. perfeita e objetiva – uma simbologia improrrogável a determinar com aspereza: culpado. condenado à pena de morte por asfixia – já não sou capaz de imaginar o impossível – espero numa espera que desespera – o dia seguinte será feito de um ventinho miudinho. fininho. gélido e ininterrupto – os corpos na hora da morte perdem calor – finalmente a tempestade perfeita imortalizará definitivamente a casa das utopias: morte também por asfixia – tudo que foi vida ficará reduzido a segundos de lembrança resolvidos numa nova contagem de tempo – mais de vinte mil dias resumidos à diferença entre o nascimento e a hora da morte – um sorriso para norte e uma pausa para o nada. em câmera lenta. e tudo tão real. tão cruel. e o punhal escondido por detrás de um coração que arrefeceu para pedra. sem sangue. sem raiva e sem esperança também. tudo isto numa alma que nunca se cansou de ser humana num mundo tantas vezes desumano – nem sempre a graciosidade nos enxerga como entendemos merecer – só o erro faz dos humanos mais humanos – como direi. uma liberdade absurda e absoluta só existe depois da morte – aqui estou prostrado. sem vos poder dizer nada de uma mágoa que já não quero compreender – sim. aceito para o bem ou para os malmequeres tombados ao pé da urna onde os resto mortais abraçarão o eterno do nada – partirei sozinho. se não há deus em vida também não há deus depois da vida – serão então as minhas virtude a trazer à lembrança uma saudade feita para a perfeição que acabou extinta por culpa da imperfeição – é noite. melhor. agora é sempre noite e o cérebro deseja o que o corpo que já não sabe fazer existir – alucinação – a celebração da morte não é utopia.  é liberdade perfeita – finalmente a aceitação do corpo tal e qual como o fabriquei – serei então um momento absoluto. prostrado horizontalmente num infinito de demónios soltos ao destino da imensidão esquecida onde a metáfora da despedida se faz com um: até sempre




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