pintura de michael borremans
onde o descanso não existe tudo
permanece imutável – aceito então o dia tal e qual como o faço aparecer – a mágoa
de ver a minha humanidade morrer já não é agonia nem aflição. é um atalho para a liberdade – a
liberdade para o espírito também é possível ocorrer com o armagedon – “como
direi. uma liberdade absoluta”. largada em voo de borboleta. num vagar feito de pressa. em voltas cegas de fantasia onde o daqui
para acolá se torna uma dimensão impossível de medir no tempo – o momento cruel
– a realidade só existe no agora – tudo que verdadeiramente existe em mim são
campos inesgotáveis de malmequeres alinhados numa mestria ortodoxa. perfeita e objetiva – uma simbologia
improrrogável a determinar com aspereza:
culpado. condenado à pena de morte
por asfixia – já não sou capaz de imaginar o impossível – espero numa espera
que desespera – o dia seguinte será feito de um ventinho miudinho. fininho. gélido e ininterrupto – os corpos na hora da morte perdem calor –
finalmente a tempestade perfeita imortalizará definitivamente a casa das utopias: morte também por asfixia – tudo que
foi vida ficará reduzido a segundos de lembrança resolvidos numa nova contagem
de tempo – mais de vinte mil dias resumidos à diferença entre o nascimento e a
hora da morte – um sorriso para norte e uma pausa para o nada. em câmera lenta. e tudo tão real. tão
cruel. e o punhal escondido por
detrás de um coração que arrefeceu para pedra. sem sangue. sem raiva
e sem esperança também. tudo isto numa
alma que nunca se cansou de ser humana num mundo tantas vezes desumano – nem
sempre a graciosidade nos enxerga como entendemos merecer – só o erro faz dos
humanos mais humanos – como direi.
uma liberdade absurda e absoluta só existe depois da morte – aqui estou
prostrado. sem vos poder dizer nada
de uma mágoa que já não quero compreender – sim. aceito para o bem ou para os malmequeres tombados ao pé da urna
onde os resto mortais abraçarão o eterno do nada – partirei sozinho. se não há deus em vida também não há deus
depois da vida – serão então as minhas virtude a trazer à lembrança uma saudade
feita para a perfeição que acabou extinta por culpa da imperfeição – é noite.
melhor. agora é sempre noite e o cérebro deseja o que o corpo que já não sabe
fazer existir – alucinação – a celebração da morte não é utopia. é liberdade perfeita – finalmente a aceitação
do corpo tal e qual como o fabriquei – serei então um momento absoluto. prostrado horizontalmente num
infinito de demónios soltos ao destino da imensidão esquecida onde a metáfora da
despedida se faz com um: até sempre
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