.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

19/04/2017

pela noite dentro







pintura - r. g. nascimento





o que vos posso dizer de mim esta madrugada – a folha cansada de estar em branco – arranquei com as teclas – interrogo-me se haverá algum momento certo para desistir de um sonho – passei a noite toda a batalhar nesta equação e não lhe encontro resultado – então comecei a escrever e por cada palavra escrita um livro trazido à memória – morgadinha dos canaviais. uma família inglesa. as pupilas do senhor reitor. foram os meus primeiros clássicos a regressar ao cimo da memória – tinha doze anos – apaixonei-me por júlio dinis e li os seus livros todos – eram histórias fantásticas. incrivelmente bem escritas – cresci amarrado a estas histórias. não há um dia da minha vida que não tenha um pedacinho deste autor – ensinaram-me tanta coisa. nos seus livros. mais do que a nobreza das palavras havia a nobreza das ações – não havia leitura que não me trouxesse lágrimas aos olhos. e os lenços encharcados de um sentimento que já não tenho. esperança – o triunfo do bem sobre o mal. do certo sobre o errado. do dia sobre as sombras da noite. da lealdade sobre falsidade. da nobreza da família sobre a vergonha. da honra dos homens sobre a procura das trevas – meu deus. como foi possível ser tão feliz com aquela leitura – era criança. uma criança crescida. nunca tive tempo para descansar. os sonhos ocupavam-me o corpo todo. olhava para o futuro com a certeza de que não iria deixar um único sonho para trás – o tempo passou e cá estou eu perdido em mais uma noite empacotando sonhos que fui deixando apodrecer – escrevo. escrevo nestas noites que são mais dos meus leitores do que minhas. eu já não tenho nada a não ser memórias – muito do que sou devo ao júlio dinis. só me mentiu numa coisinha. nem sempre o que está certo triunfa sobre o errado – que se lixe. gosta na mesma dele 


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