pintura - álvaro cunhal
7.
a oferenda aos meus dois amigos
estes dois
pequenos excertos literários do escritor húngaro sándor mári - as velas ardem
até ao fim. é uma oferenda aos meus amigos tiago e josé antunes. um género de final replicado para as
duas crónicas anteriores – o livro. um
romance intenso. dedicado a uma
amizade entre dois homens. amigos de
infância inseparáveis. que se
encontram novamente quarenta anos mais tarde – uma reflexão penetrante e
pessoal sobre a amizade que sándor mári disseca com amor. afabilidade. nostalgia. tristeza e perdão – o autor. na derradeira fase do envelhecimento. compreendeu que só relativizando os
sentimentos é que conseguiria encontrar o indulto em si – sándor mári
ensina-nos a encarar a verdade mesmo quando ela se apresenta difícil. complicada e desagradável. sabendo que ainda assim ela será
sempre menos arrasadora do que a mentira – recuperar o passado para o questionar
é uma missão penosa sobretudo quando se trata de recuperar um amigo de infância
– neste romance o autor trouxe a verdade às palavras. a tolerância aos diálogos. o amor à compreensão e o perdão ao
coração
“O que é que se pode
perguntar das pessoas com palavras? O que vale a resposta que uma pessoa dá com
palavras e não com a realidade da sua vida?... Vale pouco (...) São poucas as
pessoas cujas palavras correspondem por completo à realidade das suas vidas.
Talvez seja esse o fenómeno mais raro da vida. Na altura, ainda não o sabia.
Agora não me refiro aos mentirosos, aos safados. Só penso que conhecer a
verdade, adquirir experiências, de nada serve, porque ninguém consegue mudar o
seu carácter. Talvez não se possa fazer mais nada na vida que adaptar à
realidade com inteligência e cautela essa outra realidade inalterável, o
carácter pessoal. É a única coisa que podemos fazer. E mesmo assim, não
seríamos mais sábios, nem mais protegidos...”
nunca é tarde para trazer os
amigos para emergência dos dias que ainda restam viver – nunca é tarde para resgatar
uma amizade da mágoa ou do esquecimento – a solidão. o silêncio e o envelhecimento dissipa de vez as multidões. o barulho e a escassez de tempo – com
a aproximação do fim para o corpo aprendemos o valor das coisas simples. da ausência. da saudade. do perdão
e da aceitação do desacerto – somos todos pecado e erro –
“ … Uma pessoa envelhece lentamente: primeiro
envelhece o seu gosto pela vida e pelas pessoas, sabes, pouco a pouco torna-se
tudo tão real, conhece o significado das coisas, tudo se repete tão terrível e
fastidiosamente. Isso é também velhice. Quando já se sabe que um corpo não é
mais que um corpo. E um homem, coitado, não é mais que um homem, um ser mortal,
faça o que fizer… Depois envelhece o seu corpo; nem tudo ao mesmo tempo, não,
primeiro envelhecem os olhos, ou as pernas, o estômago, ou o coração. Uma
pessoa envelhece assim por partes. A seguir, de repente, começa a envelhecer a
alma: porque por mais enfraquecido e decrépito que seja o corpo, a alma ainda
está repleta de desejos e de recordações, busca e deleita-se, deseja o prazer.
E quando acaba esse desejo de prazer, nada mais resta que as recordações, ou a
vaidade; e então é que se envelhece de verdade, fatal e definitivamente. Um dia
acordas e esfregas os olhos: já não sabes porque acordaste. O que o dia te
traz, conheces tu com a exactidão: a Primavera ou o Inverno, os cenários
habituais, o tempo, a ordem da vida. Não pode acontecer nada de inesperado: não
te surpreende nem o imprevisto, nem o invulgar ou o horrível, porque conheces
todas as probabilidades, tens tudo calculado, já não esperas nada, nem o bem,
nem o mal… e isso é precisamente a velhice. Porém, há ainda algo vivo no teu
coração, uma recordação, algum objectivo da vida indefinido, gostarias de
tornar a ver alguém, gostarias de dizer ou saber alguma coisa, e sabes que um
dia chegará esse momento e então, de repente, já não será tão fatalmente
importante saber e responder à verdade, como pensaste durante as décadas de
espera. Uma pessoa compreende o mundo, pouco a pouco, e depois morre.
Compreende os fenómenos e a razão das acções humanas. A linguagem simbólica do
inconsciente… porque as pessoas comunicam os seus pensamentos por símbolos, já
reparaste?...”
o carácter de um homem é inalterável. não envelhece. não se perde – tenho a certeza de que os meus amigos continuam jovens no seu carácter – um dia chegará o
meu momento para resgatar todos os meus amigos silenciosos – escreveremos então
[todos] um novo tratado de amizade
Gostei...
ResponderEliminarObrigado pela partilha... continua
Grande Abraço