há
noites onde o escuro é feito unicamente de sons – ouço. encutinho-me contra a almofada. agonio. suporto-me num
não silêncio que me rompe os tímpanos e mutilo-me num negrume que me esconde o
corpo de todos os fantasmas.
ouço;
ouço orquestra. ouço hauser e a consciência a enlouquecer;
ouço datação. ouço paixão e coisas que já não
lembro como são;
ouço assombro. ouço asserção e palavras de papelão;
ouço
lamentos. ouço frustração e o pulmão
a pedir perdão;
ouço amigos.
ouço tiaguinho e o mundo todo em
pequenino;
ouço zé. ouço herói e a separação é o que dói;
ouço bola. ouço piões que nada sabem de ladrões;
ouço carrejões. ouço camiões com frutas de outras regiões;
ouço
encarnado. ouço golão e a luz é
lampião;
ouço crenças.
ouço capelões e a religião aos trambolhões;
ouço sombras. ouço lázaro e a luz voa como pássaro;
ouço
amo-te. ouço sim e o caminho é valentim;
ouço prenha.
ouço destino e a cabeça ficou sem tino;
ouço pai.
ouço amor e o corpo todo num tremor;
ouço
moda. ouço glória e a roda é vitória;
ouço
coração. ouço vida e a alegria revivida;
ouço papá.
ouço medo e a morte será cedo;
ouço saudade.
ouço luanda e a luta não abranda;
ouço
caçula. ouço festança e tudo agora é mudança;
ouço horror. ouço despedidas e gritos que são
partidas;
ouço
terra. ouço dor […];
ouço
ua. ouço ações em cinco gerações;
ouço
mutação. ouço destempo e a certeza num contratempo;
ouço
livro. ouço glosas e leituras
graciosas;
ouço braços. ouço labuta e a fábrica chalupa;
ouço
aflição. ouço injustiça e o sino enfermiça;
ouço prantos. ouço sentenças e abraços de
malquerenças;
ouço
mandarins. ouço pasquins e o fim dos jardins;
ouço
anjos. ouço querubins e tudo a valer xelins;
ouço liberdade.
ouço gaivotas e o sustento às cambalhotas;
ouço
mãos. ouço prosa e a pena pesarosa;
ouço
amigo. ouço coração e abraço de gratidão;
ouço
aterro. ouço odor e os dias com calor;
ouço boda.
ouço prata e a vida sempre grata;
ouço
diversão. ouço exaltação e fé na religião;
ouço
formatura. ouço orgulho;
ouço
nora. ouço casamento;
ouço
netos;
ouço escrita;
ouço
luta;
ouço traição;
ouço batalha;
ouço
fim;
ouço
mãe;
ouço para sempre;
ouço
terra. ouço dor […];
ouço a
alma e a paz;
ouço as
gaivotas e o mar;
ouço
os filhos com as noras;
ouço um louvor para o meu amor;
ouço um abraço a apertar e a saudade chorar;
ouço o
sombrio a chegar e o perdão a estoirar;
ouço o
corpo a perecer;
ouço;
ouço;
ouço o que não quero ouvir.
ouço porque ouvidos que me nasceram no peito se
abrem como as magnólias em [meu] abril – ouço o tempo que faz na rua e também
ouço o tempo que faz dentro de mim – ouço o que me dizem e o que me nasce na
cabeça – sou prisioneiro do que ouço – ouço [vos] mesmo que o silêncio se eternize
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