não
existe benquerença para palavras
escritas em esquinas. mesmo que as ruas se dividam em comédia. mesmo que os corvos
se façam andorinhas. mesmo que a fortuna prometa absolvição para os que
caminham em contramão – um dia. em abril. respirei. e assim me fiz até onde
nunca cheguei – não sei se respirei pela sapatada no rabo. ou por saber que a
minha mãe me carregou nove meses magoados. o certo é que cresci. e assim me fiz
até onde nunca cheguei – e agora. mesmo que não exista indulto para quem viveu
morrendo. eu existo tal e qual como sou. mesmo que tenha pintado o inferno em
cada dedo. mesmo que carregue um corpo apeado. mesmo que me rasgue num silêncio-perdão
– não há misericórdia para quem não chegou a lado nenhum. mesmo que os braços
se cravem em inutilidades. mesmo que a cidade não acorde quando pranto. mesmo
que a sina prometa honra no óbito – e porque um dia respirei. sei que vou para
o fundo da terra como os submarinos vão para o fundo do mar – que seja o meu
nome castigado pelo que não fui capaz. apenas eu. nem uma única morada para
trás. nem mil anos para a frente. que seja o presente a fragrância em desordem
– e se amanhã a terra se abrir. que seja engolido de uma só vez. e que o
inferno se apague em mim para sempre – nesse dia. talvez de agosto. quero que
uma brisa fininha me leve para os braços da minha mãe. e se o que restar de mim
se cruzar com o que não fiz. que seja o silêncio o meu atalho – e quando a dor
se tornar insuportável. que o escuro tome a leveza da alma e me transporte para
a morada de uma estrela. que se faça a minha vontade. que a carne desapareça em
chamas. e o que ficou por fazer e dizer. se faça em sorte. e noutro mundo. ou
não. eu exista dentro de mim – mas que importa o que escrevo em esquinas se a glória
para mim é uma rua sem fim – estou morto. mesmo que insista em respirar. em
olhar para onde nunca cheguei – nesta vida que pranto. seja o esquecimento a
minha fortuna. o silêncio o meu perdão. e que de mim… não se fale nunca mais
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