[túnel do tempo]
raio de peso perverso. malvado.
estúpido e ordinário. que bruxa má me carregou as costas com estas pedras
surrentas. emporcalhadas. imundas. excrementadas de um mundo que nunca fui
capaz de me adaptar – mesmo não sabendo para onde vou amanhã. ou outro qualquer
dia. teimo e empurro o que trago comigo por castigo ou sorte. penitencio-me.
fustigo-me com lamentos. crucifico-me ao tempo terrestre que me pariu assim
como sou. e carrego o que me resta dos ossos porque a carne ardeu neste inferno
em que existo – mas teimo. teimo para dar sentido às pedras que me calharam em
sorte. ou por malvadez. mas mesmo que fiquem do tamanho da lua. levarei o corpo
até ao último dia – e a dúvida continua. escrevo porque penso. ou escrevo para
me fazer existir? não sei. mas teimo em saber – amarro no que me sobra do
futuro e parto. parto a correr pelas fotos dependuradas ao longo dos anos. como
se elas me pudessem remover as incertezas. como se me pudessem oferecer um novo
final para o que já vivi. como se me pudessem fazer regressar quem já partiu –
nesta viagem alucinada recordo o afeto de todos aqueles que amei e um dia
estiveram vivos. e fico com a sensação estranha de que ainda posso voltar a
abraçá-los. e de que os lábios ainda podem dizer o que não foi dito – e todo eu
numa melancolia extrema. difícil. a magoar a carne e o pensamento. cada vez
mais mergulhado num tinteiro de ideias parvas – vivo afundado numa
irracionalidade louca. doentia. e sem fim – às vezes saio de mim. e vou à
procura de me encontrar. vou por aqui e por ali. sem rumo. sem preconceito. e
sem hora para voltar. apenas vou. assim como quem vai para não chegar a lado
nenhum – às vezes vou porque o corpo quer. mas também vou por me sentir farto
de ser como sou. de querer certezas para as incertezas. de procurar respostas
para o que ainda não compreendo. e do que me recuso aceitar como lei universal:
não envelhecerei. e que um raio de zeus me incendeie se de mim brotar um cabelo
branco – às vezes vou zangado apenas por saber que quero ser o que nunca serei.
e por mais que pense. por mais que me tente libertar do que vive dentro de mim.
do que vive em mim sem nome. torno-me desvigoroso. que é o mesmo que dizer
fraco. irracional – e sem que entenda nada de relógios. os segundos fizeram-se
anos. e a desilusão a trabalhar. a ficar gigantesca. muito maior do que o
solstício de inverno: os dias nunca clareiam num homem revoltoso – a dúvida a
esburacar o coração e a perguntar. será que a minha informação genética está
danificada? será que carrego apenas informação medíocre? ou contaminei-me com o
nascimento? será essa contaminação um desígnio do universo? ou de satanás? ou
de deus? não sei. juro que não sei – “e o senhor fez brotar da terra toda
qualidade de árvores agradáveis à vista e boas para comida, bem como a árvore
da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal” gênesis
2:9 – sou um inculto. um iletrado. um insipiente. um tolo. como é que poderia
desejar uma árvore se nunca tive um jardim – em desânimo deixo-me cair no túnel
do tempo e viajo até onde a raiva me permite chegar – às vezes vou ao futuro.
mas logo fujo para o passado. é aqui que dou comigo vivo. no futuro acabo
sempre morto. e nunca consigo chegar a lado nenhum – como se houvesse uma
máquina para andar de um lado para outro. não há. a única máquina é a minha
mente. distorcida da realidade. perigosa. por querer alterar não o mundo. mas o
que vive dentro de mim – e quando pergunto. o que vive afinal dentro de mim?
nunca sei responder. é qualquer coisa que fala sem boca. que anda sem pernas. e
que vê sem olhos. é como se caminhasse num carril de comboio e houvesse sempre
uma dessas máquinas diabólicas a tentar apanhar-me. há dias em que salto do
carril. mas também há dias que prefiro enfrentá-la. e deixo-me morrer num milésimo
de segundo. e desapareço com estrondo. para aparecer logo de seguida na mesma
linha e no mesmo local – há estradas que não nos levam a lado nenhum. existem
para nos enganar. para nos iludir com um fim feliz. e afinal… o que existe
mesmo. é o fim da esperança – às vezes sinto-me mais para lá de que para cá.
meio louco ou coisa parecida. a viver entre a realidade e a ilusão. entre as
forças do bem. e o desaparecimento. sem saber dizer coisa com coisa. só o que
escrevo continua a fazer sentido – acredito que haja loucos internados com
menor gravidade. mas que posso eu fazer por eles se nem por mim faço? sinto-me
preso num colete de forças. e mais preocupante. sinto que este colete que
vesti. sem nunca o desejar. aos poucos. tornou-se parte da minha pele. e agora.
que estou grande e sem certezas de nada. é por ele que respiro e me atiro
contra as quatro paredes em que sobrevivo – interrogo-me então: porque sou
desajeitado a pensar? não sei. acreditem que não sei nada. o que sei é que
sinto saudade do colo da minha mãe. da mão do meu pai. de uma noite onde o
batimento do coração. melodiosamente. entretém o silêncio do universo – nessas
noites em que me ouço sei que estou vivo – é então que enraiveço e me faço
existir mesmo nas fotos em que não me vejo – que tontaria. que idiotice – todos
tem o direito de crer em alguma coisa. nem que seja numa pedra mágica que.
depois de esfregada. nos faz acreditar que a vida é o resultado do bater de
asas de uma borboleta na austrália. e que o melhor está ainda para chegar – esta
vida que vou vivendo deve-me esse enredo. mas se me negar. se me renegar. eu
irei atrás dela com o que me resta. de pouco farei muito. no absoluto
encontrarei forças. na ingratidão moldarei o perdão. alimentarei o desespero
com fé. e mesmo que o vazio onde vivo cresça para lá de onde me escondo. mesmo
que os olhos se façam parede. mesmo que as pedras se façam túmulo. eu irei.
irei pelo caminho que me queira levar. e a algum lado hei de chegar – sou o que
o tempo me carregou. e assim chegarei até ao último dia
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