foto - sampaio rego
ai se
um dia toco uma nova vida a sul. ai
– talvez aí me pudésseis ver como realmente sou. doido. a gargalhar do
siso. e os braços. vigorosos. fortes. decididamente
amputados pela energia afirmativa numa indolência merecida – estou cada vez
mais certo desta necessidade de aniquilar o que me resta da memória a norte –
ai como estou certo – a sul. existe o prometimento para um novo
corpo. quem sabe com um novo nome. com outra forma de escrever. mais pausada. ponderada. precisa. justa e determinada. sem reticências. sem interrogações e sem vírgula a separar o sujeito do predicado
– ai como vou ser afortunado – a vida andada a norte é uma oração complexa. dolorosa e de uma injustiça não
entendível. onde as palavras que me
fazem pessoa se concentram apenas na sobrevivência – um dia mais. será sempre um dia a mais – ai como isto é verdade – talvez por
isso ainda aqui estou – um dia a mais.
será sempre um dia a mais – ai como um dia pode fazer toda a diferença – assim.
neste dia que é hoje. sou ainda uma criatura
humana. mesmo quando “não
sou nada”. e sei que “nunca serei nada” – “não
posso querer ser nada” apenas
com mais um dia – “à parte isso. tenho em mim todos os sonhos do mundo” –
nenhuma gaivota sobrevive à falta de vento – ai não sobrevive não
“Não
sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”
A tabacaria - Álvaro de Campos, 15-1-1928
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