quinze dias em casa. quinze dias sem abraçar e
esta quarentena a deixar-me louco – quinze dias de trinta. quinze dias que
podem ser sessenta e até quem sabe tempo que nem sabemos contar – o que vai ser
de nós. o que vai ser da minha casa. o que vai ser das outras
casas – uma mesa. dez cadeiras. dez pratos e eu a por a mesa para
quem nunca chega – o que fez esta geração de errado? o que há em mim de errado?
não sei. e mesmo que soubesse o que poderia eu fazer em tantos lugares
do mundo – sei que vou continuar a por a mesa: dez copos. dez
talheres. dez guardanapos e os pratos a voar como anjos – como será o
mundo em cada prato. em cada casa se da minha janela só vejo desespero –
tu. tu não me podes esconder como o céu está desinteressado. o vulto
negro a encher-nos de terror. a roubar a dignidade a quem parte. a
estropiá-los da vida. num silêncio mudo de dor. sem que ninguém
segure a mão. sem um beijo. sem uma lágrima. sem uma
oração. sem que nada possa enganar o sofrimento. dizer adeus.
pedir perdão – um dia fecho tudo à minha volta. a janela também – estou
intrigado com a calmaria das gaivotas na tempestade – porque não batem as ondas
nas rochas? porque não troveja? porque não se esconde o sol atrás da lua? que orações
tenho eu que rezar para que o mundo volte a sorrir? estou certo que a razão dos pratos não voarem é
a mesma razão das aves que com asas não saem do chão – há coisas que não foram
feitas para voar – desígnios? quem quer acreditar nisso – o que mudou no meu
infinito? porque raio puseram esta coisa pegajenta à minha frente se o que
quero é apenas caminhar. viver o que me falta viver. sonhar o que
me falta sonhar. juntar a família numa mesa daqui até itália. que
passe por espanha. por moçambique. pelo canadá. pela austrália.
pela índia. quero eliminar paradoxos. ligar o mundo num abraço – mas
uma coisa é certa. no aperto conhecem-se os amigos… quem haveria
de dizer que os meus [nossos] estão escondidos nos hospitais. que raio
de amigos corajosos tenho eu [temos nós] – que inveja terão outros – será que
os merecemos? as ruas continuam com automóveis parvos para lá e para cá.
como se o mundo fosse um semáforo que se pode ignorar quando dá jeito – e eu
amarrado à mesa a olhar para os pratos. se houvesse ao menos uma
corrente de ar para os fazer voar mais uma vez. um milagre – nem uma
palavra me faz abrir a boca. o medo pendurou-se na luz – há um silêncio
de abismo dentro de mim – olho e nada. e nada me faz pegar na mão e entrar
pela garganta abaixo. porque tudo o que magoa está bem lá no fundo.
no fundo do que sou. é lá que moro comigo e com o medo. com todos
os que estão a sofrer – o mundo num passo que não corre e nada está parado.
está tudo assim assim. assim mal. nem frio nem muito frio. nem
sol nem muito sol. nem chuva nem muita chuva. só medo e desespero
– não consigo tirar os olhos do amanhã – temos que resistir
voz - maria joão
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