foto - sampaio rego
quando perdemos um amigo que
nunca foi amigo a dor transforma-se num poema sem delicadeza. é faca. é borracha que nada apaga – quando perdemos um amigo que jamais
será inimigo o sofrimento é um poema necrófago. é putrefação. é uma
morte que não é morte porque eu e ele continuamos vivos – quando perdemos um
amigo de uma rua que ainda é a nossa rua.
a raiva é a boca de um lobo. é o desatino
de uma seta que nos atravessa a vida por inteiro. é o fim da ilusão – quando
perdemos um amigo o caminho para a frente é sempre solidão
.
perdoa-me corpo porque estas
palavras são de uma alma que nunca quis ser punhal
.
para um amigo que já não é
amigo não há mais vocábulos garrote.
a dor combate-se com dor. o sangue é
para verter até à última gota – nem
mais uma palavra fácil. justificativa. pacifista. indulta ou palavras que só dizem meias verdades – sou agora a
favor da pena de morte para as palavras que não dizem a verdade por inteiro –
se não há meias vidas também não pode haver meias palavras – tudo o que vos
escrevo é sufoco. raiva. contrição e o corpo a resistir ao
exorcismo enquanto o diabo pede sepultura definitiva. fogo. cremação – só o
cheiro a carne queimada dá a certeza de que a morte existe – só perdemos um
amigo para sempre quando perdemos o nosso corpo também para sempre – a dor já
não é poema: é túmulo
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