.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

28/09/2016

quando perdemos um amigo




foto - sampaio rego




quando perdemos um amigo que nunca foi amigo a dor transforma-se num poema sem delicadeza. é faca. é borracha que nada apaga – quando perdemos um amigo que jamais será inimigo o sofrimento é um poema necrófago. é putrefação. é uma morte que não é morte porque eu e ele continuamos vivos – quando perdemos um amigo de uma rua que ainda é a nossa rua. a raiva é a boca de um lobo. é o desatino de uma seta que nos atravessa a vida por inteiro. é o fim da ilusão – quando perdemos um amigo o caminho para a frente é sempre solidão

.
perdoa-me corpo porque estas palavras são de uma alma que nunca quis ser punhal
.

para um amigo que já não é amigo não há mais vocábulos garrote. a dor combate-se com dor. o sangue é para verter até à última gota – nem mais uma palavra fácil. justificativa. pacifista. indulta ou palavras que só dizem meias verdades – sou agora a favor da pena de morte para as palavras que não dizem a verdade por inteiro – se não há meias vidas também não pode haver meias palavras – tudo o que vos escrevo é sufoco. raiva. contrição e o corpo a resistir ao exorcismo enquanto o diabo pede sepultura definitiva. fogo. cremação – só o cheiro a carne queimada dá a certeza de que a morte existe – só perdemos um amigo para sempre quando perdemos o nosso corpo também para sempre – a dor já não é poema: é túmulo



Sem comentários:

Enviar um comentário