.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

29/11/2017

eu e:






pintura google





3.    eu e as fotos à direita

sento-me em mim. a hora é do corvo profunda.  desmantelo os olhos do presente e começo a autenticar os quadros numa parede à minha direita – as fotos confirmam que existo – afinal não sou um produto de uma qualquer máquina do tempo – sei que existo aqui e neste momento porque estamos todos nas fotos – os que amo não se cansam de me olhar – mas para que não haja dúvidas com as fotos o melhor será citar decartes: “penso, logo existo” – e ali estou eu em mais uma velharia fotográfica: cara sisuda. cabelo escuro-jovem. calça bege. blusão de bombazine castanho. mãos nos bolsos e uns óculos enormes contra o sol do mundo – os olhos são a minha vulnerabilidade – os índios americanos não gostavam de tirar fotos porque acreditavam que estas lhes roubam a alma – não sou índio mas acredito nessa crença – não sei se foram as fotos mas alguém me roubou a alma. alguém me deixou vazio por dentro – apostava o pescoço de que perdi a alma pelos olhos. não há dia nenhum que não me doíam – enquanto tive alma nunca deixei que o futuro me assustasse – não tinha medo de nada. o corpo estava sempre aprumado. perpendicular à ambição. num ar sério. assim como se fosse um mistério. os olhos encovados. escuros. as mãos escondidas para ninguém saber o que pensavam e as pernas em posição de correr – sempre com um grande aprumo à avidez. não era vaidade. era segurança nas mãos – olho. olho com o que me resta da vontade de olhar. olho com saudade. olho com nostalgia. olho com raiva. olho com uma vontade de matar o futuro estatelado numa parede pastel – as primeiras fotos são de um cinzento ingénuo. aberto à coloração. imaginativo. num confiante forte-opaco. a contrastar com a moldura faia-clara – ao lado. numa moldura mais escura. sobressai o cinzento dúvida. com a tonalidade a puxar para a solidão. para o retiro. mergulhado em pessimismo e numa vontade única de fazer apenas o que estava certo – há cinzentos que nos enganam para a vida toda – ainda não tinha percebido que para sobreviver é necessário viver com o erro. ultrapassá-lo. moldá-lo para a invisibilidade. ajustá-lo às necessidades das maiorias. programá-lo para o sorriso enganoso e fazer de conta de que aceitamos aquela velha máxima: errar é humano – nunca foi bom a fazer de conta – o erro para mim nunca foi humano. com o erro uma parte da minha confiança morria de amargura – nunca fui capaz de recuperar destes erros – nunca aceitei o erro e isso trouxe-me um erro ainda maior: a busca de uma perfeição imaginária – nas últimas fotos encontrei-me num cinza triste. corroído. pouco afetivo. zangado e onde o prumo dá indícios de que está preso por um fio – ninguém aguenta tanto cinza-triste numa parede bege-pastel – *“a felicidade não é um ideal da razão mas sim da imaginação” 


*imannuel kant


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