frida-khalo
mantenho-me acordado e
enrodilhado em mim. recuso-me a dormir. olho o relógio e hipnotizo-me com o
bater do coração – não tarda nada nasce o dia – mergulho na imaginação e
revolvo-me mais uma vez à procura do que nunca encontrei. atiro o corpo de um
lado para o outro e mantenho-me esperto. só o cansaço me dobrará – sussurro-me
para saber que estou acordado. não quero ser sonho. tenho medo dos sonhos.
tenho medo dos sonhos felizes e tenho medo de acordar dos sonhos que me fazem
feliz – o vento corre veloz pelas frinchas e as portas replicam-no em barulho.
estremecem imitando gente a sair. só a sair porque não ouço ninguém a caminhar
em minha direção. faço silêncio dentro do meu silêncio. escuto o pavor de mim e
do vento. arrepio-me. e a pele que me cobre lamenta-se de tudo. e é este tudo
que não sei o que é que me ocupa o quarto todo – fico inquieto e como não sei
rezar protesto com o divino. se soubesse talvez o fizesse. mas não sei. estou
por minha conta. sempre estive por minha conta. nasci e cresci por conta do que
sou e sou dono e senhor de todas as noites – cansado resisto segurando-me ao
luar intermitente que passa nos intervalos da persiana. resgato-me ao escuro. a
luz do luar é tudo o que tenho para sobreviver. e logo hoje que é lua minguante
– estou esgotado e desapareço de mim a cada noite que passa. não gosto do que
guardo no corpo. pesa chumbo. pesa morte e pesa dor – volto-me. mais uma volta.
volto-me sem conta e invento soluções para o que não tem solução –
distendendo-me num espasmo espontâneo. os tendões estalam e o corpo altera-se
entre o medo e a resignação. se o coração encravar que se lixe – a noite é cada
vez mais desumana – o corpo amarga. remorde-se vezes sem conta e a
alma-que-sente cada vez mais acordada faz justiça pelas próprias mãos: mata uma
mágoa – mas logo encontra outra ainda maior. tal como a matrioska russa. as
mágoas nascem umas dentro de outras e quando uma desaparece há sempre uma maior
que aparece a chamar-nos pelo nome – respondemos presente. um homem não se
acobarda. morre de pé como as árvores e também que diferença faz mais dor ou
menos dor – nem sempre se grita com a estropiação – e mais uma volta na cama e
as voltas do corpo são as voltas da vida. de dia e de noite tudo igual. tudo
incerto. tudo a magoar e a balança tombada para o lado que não entendo – o
passado não é piedoso. o que guarda nunca se alterará – quero dormir. fecho os
olhos mas não consigo fechar a memória. rebolo-me de um lado para o outro e não
me encontro em nenhuma dos lados. estou só. completamente só e sem uma única
palavra para me confortar – a memória consumida à medida do meu desespero.
respiro a antecâmara da morte. sufoco. o coração aperta e os pulmões recuam.
barricam-se na escuridão. e o ouvido já não quer socorro. quer silêncio. só
silêncio e uma mão para não morrer sozinho – estendo a passadeira negra ao mal
que me tocou. abro a porta do inferno e passa o impossível. de seguida o
inacreditável seguido de perto pela dúvida que vem acompanhada pela incerteza e
pelo desprezo. para logo depois. em gargalhada. aparecer a descrença abraçada à
injustiça e. finalmente. vestida de preto. a renúncia ao que resta do mundo – e
o travesseiro vazio pede cabeça que não pense porque não há dor maior do que
uma cama sem sono
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