imagem google
escrevo
escrevo
como se as palavras fossem um avião
como
se eu fosse um avião sentado numa cadeira
que
voa como voam os aviões
como
se tudo em mim não fosse mais do que uma massa de ar
que
sustenta todo os aviões do mundo
que
são parentes das gaivotas que voam como voam os aviões
gosto
de voar com as palavras
voo
em volta das recordações
em
volta das cadeiras
das
fotos
dos
amigos e dos que não são amigos
dos
dias soalheiros e
das
noites geladas
da
solidão
e
das histórias que quero contar
e
mais umas quantas coisas que estão no ar e que não sei se são aviões ou ilusões
ou
magia
ou
coisas que tenho dentro da cabeça e que não são capazes de se ligar à terra
e
as mãos a escrever noutro mundo que é aonde vivo desde que nasci
para
que as palavras se formem como se formaram as crianças do meu passado
nas
ruas
atrás
das bolas
dos
amigos e das caricas que com “triclas” correm as beiras dos passeios num desvario
de alegria
éramos
dezenas
éramos
tantos como são hoje as palavras que escrevo
tantos
como piões
como
abraços e juras de que assim seria para sempre
e
os aviões a rasgar os céus como se pudessem pousar no nosso campo de futebol
bonitos
a
carregar sonhos de um lado para o outro
em
bicos de pés
e
a criançada de braços abertos
subia
ao céu
e
ali ficava até ser noite
escrevo
escrevo
porque quem escreve sonha e sonhar é voar
não
importa o que és desde que saibas sonhar e
tenhas
um par de braços para voar
uma
história para contar
ou
até um abraço para dar
estendo-me
pela memória de braços abertos
a
fingir que sou um avião e
quando
não sou avião sou gaivota
[como
se as gaivotas voassem com braços]
e
grito pelo cosmo que não é mais do que o meu espaço encefálico
carregado
de neurónios que querem voar
só
o chão da terra corre ao contrário dos aviões
a
fugir para trás
com
lamentos de nunca ter aprendido a voar
há
um universo das coisas que não voam
não
sonham
e
nem medram
tenho
pavor deste universo
das
suas correntes
e
das palavras que ofendem por nada saberem do que voa
quando
não estou a querer voar não escrevo
levanto
os pés na cadeira
meto
os joelhos debaixo do queijo e encutinho-me ao redor dos braços
fecho
os olhos
e
adormeço amarrado a um pesadelo que me leve para o fundo do mar
e
morro
morro
afogado nos meus sonhos
e
mesmo nas mais sombrias profundezas do mar
eu
sonho
sonho
que voo