.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

04/08/2010

solidão do homem da nuvem









quantas vezes estou só. como um cão. e a companhia é só um amontoado de gente sem rosto – tiro-lhes os olhos. a boca. o nariz. as feições que me façam lembrar a carne que ainda tenho por apodrecer – dou-lhes uma caiadela. quero-os brancos. da cor dos fantasmas – arranco-lhes as pernas e os braços. tiro-lhe os gestos e a subtileza do movimento dos corpos. assim não me enganam – finalmente posso continuar só. como um cão que habitava na esquina da minha rua – vivia de olhos fechados. e à minha passagem enroscava-se ainda mais em si. talvez tivesse medo que os meus olhos um dia descobrissem que afinal não era um cão vadio – era apenas um cão só – adoptei-o. e sem ele saber guardei-o debaixo da língua que nunca soube falar – é ele que rosna quando o mundo me interrompe a solidão – hoje rosnou para uma nuvem. levava um homem de braços caídos – talvez um dia eu tenha uma nuvem só minha. onde possa morrer com a minha solidão – entretanto e enquanto não me dispo do resto da carne que ainda aqui sobrevive. olho para a nuvem do homem de braços caídos. imagino o mundo sem mim. sem o meu cão. sem a minha rua. a casa que guarda os retratos do que fui. a minha gaveta da roupa que me faz ser pessoa sempre que a dor chega aos ossos em forma de gelo – um dia este coração vai deixar de bater. e todos as estalactites se cravarão na terra que albergará o meu corpo – a nuvem prosseguirá o seu destino




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