.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

29/08/2010

era domingo







carrego nas costas o peso de um tempo em que ainda não me compreendia. sabia apenas que. além da cama onde repousavam minhas dores. existia um jardim – era lá que eu sabia rir – era domingo. o dia em que o mundo parecia mais leve. vozes que nunca ouvira passeavam pela casa. enquanto dentro das manhãs os passos ganhavam vida. crescendo por corredores de sonhos – havia gente a passar por um chão ainda estremunhado. as passadeiras enrodilhavam-se apenas pelo som dos novos andantes – era domingo – neste dia. o pijama era a última peça a despir. a manhã não podia ter fim – faltava ainda o cheiro de um fogão. assava a diferença. e nas mãos que corriam sempre sobrava uma para me acenar – era domingo – no meu quarto. os lençóis brancos refletiam a pureza dos meus pensamentos – lá. tudo parecia possível: uma macieira erguia-se no lugar da mesinha de cabeceira. espalhando sombras que guardavam segredos antigos – do outro lado. um ramo de laranjeira crescia dentro da gaveta das meias – no teto. caiam grinaldas verdes. pingavam orvalho. a noite tinha acabado. o calor ardia – no lugar da cama o mar. baloiçava como se fosse um baloiço. aos pés. o peluche transformara-se numa gaivota cinzenta. era agora a minha gaivota. cinzenta. com uma mancha branca no peito. e as asas carregadas com todos os meus sonhos – aos domingos as lágrimas faziam uma pausa. encerrando para fim de semana – e as que por maldade ficaram. enterrei-as no túmulo do dia desconhecido – mas é domingo. e a minha gaivota continua a voar. todos os dias vos leva um pedaço de mim. deste que fala por cada palavra perdida de razão. deste que. de mãos vazias. vos entrega a alma – cuidem dela com carinho. pois é tudo o que me resta – agora é domingo. e há sempre um pedaço de mim que ainda voa com a gaivota. que nunca pare. pois nela repousa ainda tudo o que ainda sou 



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