.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

09/08/2010

vou ter que chorar. morri










o telefone tocou. ligaram-me a dizer que eu tinha falecido. há segundos ainda conversava comigo – como é possível? tenho tanta coisa por dizer e fazer – e agora? como irá sobreviver a outra parte de mim? talvez não chore. talvez ria. talvez descubra que eu era apenas um estorvo. um íman para todo o azar do mundo – lembro do dia em que deixei cair aquele verbo do azar. sim. bem no pé da outra parte de mim. foi o momento em que estivemos mais próximos de morrer os dois – mancamos toda a noite. e até os sonhos dourados que lhe tinha prometido ficaram negros – vou ter que chorar. ignorar que morri seria impossível. afinal. é normal chorar pela morte – vou dar esta última prenda a mim mesmo – preciso chorar. talvez assim me sinta mais perto da outra parte de mim – já nada me interessa. afinal morri e sempre que alguém morre tocam os sinos – mas quem vai saber que morri? se a outra parte de mim não quer saber. que se foda. mesmo que ninguém toque o sino. vou ouvi-lo na minha cabeça. não quero que a outra parte pense que encaro a morte com leviandade – tenho que chorar e não consigo encontrar uma única lágrima dentro deste corpo. talvez o problema seja da outra parte de mim. talvez seja imune a dramas. e essa imunidade tenha contaminado o meu olhar. até o olho que vê. às vezes. vê o que não quer – já não me importo. sei que sou eu quem escreve. e já que morri sufocado por uma overdose de palavras presas na garganta. também não escreverei mais nenhuma palavra que lhe alivie a dor – hoje. como morri e o sino tocou. sei que dormirei sem estas dores malditas que me corroem os ossos. mutilam a alma em cada segundo de olhos abertos – hoje. dormirei sobre os trapos que me tapam os ouvidos – não consigo suportar mais estes gritos – sei que morri para o outro. mas o mar continua a dançar. e as minhas gaivotas ainda cortam o vento. procuram uma falésia para onde descansar enquanto a tempestade dominar a escrita

 




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