.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

29/12/2015

adeus ano velho




foto - sampaio rego
 



também eu gosto do silêncio e tive tão pouco este ano – se fosse possível eu acontecer de forma diferente neste novo ano – nascia em silêncio e juro que nem com a palmada no rabo chorava – respirava silêncio e pedia para me embrulharem num livro de poesia - depois sim. caía nos braços da minha mãe e ali ficava para sempre – em silêncio – feliz ano 2016 para todos os meus amigos – prometo-vos que não deixarei nunca de “perseguir as luzes das estrelas até ao fim da minha vida” - sejam felizes e obrigado por fazerem parte da minha vida
 

13/10/2015

professor marcelo




google - marcelo rebelo de sousa
 
 



gostava de ser como o professor marcelo. marcelo rebelo de sousa – dizem os amigos. inimigos também. que o homem é inteligentíssimo. um reconhecido génio lusitano. feito comendador da ordem militar de santiago da espada e da grã-cruz da ordem do infante d. henrique – estamos perante um homem de uma lucidez rara. com uma rapidez de raciocínio pouco habitual no nosso meio académico e político –sempre ouvi dizer que homem inteligente é aquele que se conhece a si mesmo – pois bem. o professor acumula este dom com o de conhecer ainda melhor os meandros da politiquice nacional – sempre que aparece na tv o professor parece um gaiato. com uma energia de fazer inveja a qualquer catraio – não há uma único sinal de cansaço tanto no argumento da retórica como na línguagem gestual - do primeiro ao último minuto do programa o professor marcelo é um autêntico “showman” – o professor é terrífico. faz ainda questão de alardear perante os seus admiradores que apenas necessita de dormir duas horas por noite para se manter em plena forma física e intelectual – na hora de almoço é vê-lo a dar uns mergulhos na praia de carcavelos. com chuva ou sol. inverno ou verão lá vai o homem como se fosse um homem do mar – é ele que dá força àquela velha teoria de que todos descendemos de um marinheiro – uma fura nas ondas. duas braçadas a favor da corrente e lá sai o sr. professor da água purgado de todas as maleitas de envelhecimento precoce – manuel de oliveira morreu novo quando um dia fizermos as contas entre os toque de finados – para completar esta panóplia de bênçãos. dizem os que com ele partilham a intimidade que o professor catedrático dita duas cartas ao mesmo tempo sem que em momento algum se confunda. mantendo sempre a postura do corpo. o brilho do raciocínio. a fala eloquente e a emoção gestual – marido. pai. professor universitário. político e por fim. comentador político na tv - a hora de marcelo rebelo de sousa. programa semanal de sua responsabilidade – estamos perante um verdadeiro sobredotado lusitano – gosto de o comparar a um automóvel topo de gama – um ferrari de versão esmerada. vermelho. cupê de duas portas e com um motor 3.6 litros V8 de 400cv de potência. acelera de 0–100 km/h em 4.3 segundos – uma loucura de carro – só para gajos com unhas. o motor de oito cilindros leva-o ao fim do mundo – uma bomba atómica com quatro rodas – é aqui que deprimo. afinal a minha inteligência não passa de um comercial de dois lugares comprado em segunda mão – junta da colaça rachada. vielas gastas. escova limpa vidros a nada limpar. retrovisor embaciado com tudo o que ficou para trás. e o “démarre” afogado num cheiro a gasolina que deixa antever uma explosão da “voiture” a qualquer momento –  eis o que é. fumo negro em escape que já não filtra o bom do que é mau. e a caixa das velocidades presa a uma marcha atrás que já não me deixa fazer nenhuma estrada em frente – ao volante. uma condução de raiva. o limite de velocidade nunca se aplicará ao meu cérebro – resignado. acolho-me sem medo. abraço o que posso fazer com gratidão aos deuses da fortuna. e olho o amanhã com esperança limitada para o corpo que me calhou em sorte – estou demasiado gasto para qualquer conserto. já não há peças de substituição – sou assim. o que não tem remédio remediado está – estou a ficar um caco – as noites começam a ficar cada vez mais pequenas para pensar – resta-me a escrita e pouco mais – escrevo então. enfim. é noite. e sendo assim. tenho que aproveitar todas as ideias que andam por aqui em fervura – bem sei que são tipo geiser. o repuxo já só aparece de hora a hora e com tendência a piorar – sou o que me calhou em sorte e a mais não sou obrigado  
 
nota - este texto tem mais de dois anos e por esse motivo não faz nenhuma alusão ao candidato presidencial marcelo rebelo de sousa
 



09/10/2015

aclasto




foto - sampaio rego



 

atrás
dos desfrutáveis olhos
vadiavam memórias temporais
contristados
entressonham lágrimas
em:
bem-aventurança





06/10/2015

vou para o inferno - II





foto - sampaio rego
 



2.

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hoje confesso que não há domingo. não há missa. não há roupa nova e muito menos carne assada. sou quase vegetariano e o palavrão ajuda-me a manter o corpo em alerta contra as injustiças – e a pergunta reforçada: para que serve um deus na minha idade? para que quero um deus se já não tenho roupa nova. nem carne assada. nem domingo. nem aqueles sapatos apertados que por serem de couro só os podia calçar no dia do senhor – repito. para que serve um deus na minha idade? ele existe? algum dia existiu? se existe que milagre pode ainda compor num descrente que anseia pela evaporação crematória – envelhecer é um aborrecimento. um enorme aborrecimento – quanto mais velho mais dúvidas – sou mesmo um tonto. tanto saber desperdiçado em boémias inúteis de palavras divinas – reflexões sem fim – já não acredito na existência deste [meu] deus. um deus sem voz. sem retratos. sem aparições. sem comprovativo de morada. sem NIF. sem nada a não ser pinturas em capelas sistinas

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- - nos dia de hoje. se deus existisse. já um qualquer paparazzi lhe tinha arrancado um retrato – tenho a certeza

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mas vou fingir que aceito a sua existência como certa – hoje estou virado para este lado criativo. este lado fingido. o lado da indiferença. do faz de conta de que tudo é divino. quem sabe [se estiver enganado] a mão de deus a mexer comigo – faço então uso de todos os ensinamentos cristãos. da catequese assimilada. dar a outra face. do ressuscitar de lázaro. do enxugar os pés da maria madalena a jesus. das moedas de judas. do ósculo fraternal a fazer emergir a paz de cristo no coração do homem. do meu também – sou por momentos um homem renovado na sua fé – estou assim. meio criança. meio adulto – e agora a saudação da paz do senhor

.

-- deus que é deus não agrada a todos – recorro a uma máxima da história para comprovar esta teoria: não se pode agradar a gregos e troianos ao mesmo tempo

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deus optou por não me agradar a mim – digo eu. conspurcado de pecados – vamos lá então – imagino-o no seu gabinete rodeado de pilhas de papeis importantes. pessoais. valiosos. altamente confidenciais – tudo “top secret” – tratados por centenas de assessores de uma idoneidade inquestionável – estes assessores foram escolhidos por meio de concurso celestial rigorosíssimo. e com a sua mão direita juraram sobre a bíblia sagrada defender o catolicismo contra todas as investidas do demónio – recuperar os crentes perdidos. renovando-lhes a esperança num mundo eterno – deus é justiça – são estes servos leias que  ajudam diariamente deus a criar um mundo mais justo –

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-- tudo dirigido sobre o mais rigoroso olhar de deus e debaixo de um rígido sigilo – o sigilo é a alma do negócio  

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acomodado no seu cadeirão. de óculos na ponta do nariz. despacha documentos de alta prioridade e confidencialidade. sem um único sorriso – os problemas do mundo não lhe dão sossego – já não é aquele deus que me impingiram na catequese. com ar feliz e sempre rodeado de criancinhas a pularem de alegria e segurança – nem aquele que me protegia nas noites escuras. e debaixo dos cobertores lhe pedia proteção contra as sombras demoníacas que cobriam as paredes do meu quarto – não. infelizmente esse deus já não existe – o mundo tornou-se enorme para um deus que não fala para ninguém – deus já não consegue chegar a todo o lado – o mundo cresceu imenso – eu também

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-- gosto deste meu lado de criatividade cínico mesmo que não sirva para nada – sei que não sou nada

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deus também é cínico comigo – todo este cinismo apenas para conter a fuga de crentes para o mundo do nada – o nada está cada vez maior. incontrolável – nada temo. nada creio. nada me faz falta depois de morto. nada serei de olhos fechados – nada será sempre nada – e lá estou eu novamente no fundo do nada que é como quem diz no fundo do lixo – o lixo fica sempre por baixo. fica no silêncio das casas. dos cantos das salas triangulares. dos quartos de hóspedes. dos tapetes persas. dos quadros surrealistas. dos passpartour com retratos a preto e branco. das gavetas de pau santo. das ruas empedradas. dos cantos da alma onde os precipícios se tornam eternos – o meu nada é uma espécie de suicídio assistido – vamos morrendo tão devagar que acabamos por ver partir tudo que nos é querido – quando damos conta estamos sem nada. sem nada capaz de nos fazer morrer de uma só vez – e tudo isto num silêncio lacrimal que por não se ouvir ninguém sabe que existe – existimos num nada e dentro do nada sangramos pregados a uma cruz que não sendo a de jesus é outra que nos implora fé em alguém que nunca abraçou como um homem – fica então um deus assim como um presidente da república. cheio de etiqueta. nunca sai do seu palácio e não faz coisa nenhuma – não faz nada –  como o nosso presidente – coisas da democracia que no reino do céu deve ter outro nome qualquer já que não me parece que haja eleições para o ofício de deus – ouço dizer que deus está no céu desde que um dia se lembrou de criar este pedaço de terra redondo. com mar. sol. sal e pecados – culpa da eva

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-- raios te partam eva. toda esta chatice por um orgasmo com o adão – espero que tenha valido a pena

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me perdoem as mulheres por este desabafo ingrato e injusto mas estou cada vez mais certo de que se não fosse homem seria mulher e assim jamais seria nada – não acredito na ressurreição e também não acredito na encarnação – sei que estou vivo porque conheço o nada. sei escrever nada. sei dizer nada. sei desenhar o nada. sei até fazer um funeral ao nada só não tenho ninguém que o queira levar aos ombros e eu sozinho já não sou capaz – “com o suor do teu rosto comerás o teu nada. até que voltes ao nada. pois do nada foste formado; porque tu és nada e ao nada da terra retornarás” – que me perdoem todos aqueles que me abraçam com amor pois não é por falta deste que eu sou descrente – sou o que sou porque ao nada nunca se pode acrescentar nada a não ser matar a memória de um deus que verdadeiramente nunca existiu a não ser na minha igreja – um dia. cada vez mais breve. serás definitivamente um grande mentiroso - sei

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3ª parte brevemente

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25/09/2015

retalhos – número de série 25092015s(r)ego26




foto - sampaio rego




jamais saberei o que sou e quem sou - mas quando escrevo sou realmente o que sempre quis ser – verdadeiro



31/08/2015

ciclo das pedras





foto - sampaio rego



 
 
rolam pedras
rolam sem parar
rolam sem ninguém as ver
rolam agitadas donas de montanhas
mas rolam
rolam
todos os dias rolam
rolam inchadas
rolam papéis
rolam livros
rolam prosas
rolam rimas
rolam até palavrões
mas rolam
rolam
todos os dias rolam
rolam paridas
rolam inveja
rolam cobiça
rolam piadas
rolam maldades 
mas rolam
rolam
todos os dias rolam
rolam quadradas
rolam cegas
rolam porque o outro rola
rolam por rolar as pedras
rolam arrogantes
rolam uma
rolam duas
rolam três
rolam de três em três
rolam cem
rolam mil e três
rolam de quando em vez

 
mas rolam
rolam
todos os dias rolam
rolam do rolar as donas
de tanto rolar
apagaram as montanhas
as nuvens
as árvores
os lagos
os rios
os peixes
a terra

 
mas rolam
rolam
todos os dias rolam
mataram os olhos
os ouvidos
as mãos
a boca
o nariz
o coração
como pedra rola
devagar
mais devagar
mas ainda rola
rola
só sabe rolar
cada vez mais só
no seu rolar
sem sol
sem paixão
rola como palavra inútil
um dia
deixa de ser pedra
deixa de rolar
deixa de viver
restará pó

 

 

 



23/08/2015

vou para o inferno




foto - sampaio rego


1.
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hoje penso em deus – confesso-me – cada vez tenho mais dificuldade em pensar no criador – já lá vai o tempo em que todas as noite. sem esquecimento. lhe devotava um pai nosso – o tempo passou. muito tempo. tanto que já poucas memórias me restam desse miúdo devoto – estou a entrar numa nova etapa existencial: olho-me pela vida e faço o balanço entre o deve e o haver – necessito muito de encontrar num novo silêncio. olhar para trás sem medo. compreender os novos chamamentos do corpo envelhecido. os novos apelos da alma em questões de fé – o que mudou no rapazinho imortalizado pela fé para um adulto descrente na eternidade dos céus? chegou a hora de pesar e contabilizar o que fiz mais e menos acertado – a vida é uma corrida feita em tempo supersónico onde a meta é sempre alcançada – a questão é saber como a vamos encontrar    aqui estou perante mim

.

-- estou certo de que necessitarei de um grande contrapeso para equilibrar os pratos da balança

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a interrogação que coloco nos dias de hoje já não é tanto saber se devo acreditar ou não nesse meu deus do passado. nessa eternidade prometida – com os meus cinquenta anos feitos a dúvida coloca-se de forma diferente – para que serve um deus na minha idade? – na minha juventude. quando ia à missa do carmo. igreja que servia os paroquianos da minha freguesia. ouvia o padre carlos dizer: deus está em todo o lado. deus recompensa a justiça e a fidelidade de cada um. deus é justo. quem serve a deus de verdade nele descansa

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-- ora eu não descansei coisa nenhuma. culpa minha. talvez não o tenha servido com a fé de um verdadeiro crente  

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dizia aquilo com tal convicção que não havia alminha que não acreditasse na palavra do eclesiástico – este padre era quase tão importante como os santos parados nas paredes. parados mas vigilantes. nunca tiravam os olhos dos seus paroquianos e ai daquele que ousasse pronunciar o nome de deus em vão – o sr. padre carlos também não arredava os olhos dos seus fieis – a igreja repleta. de silêncio também. e aquelas almas todas a tombar o corpo para o lado de deus: oremos senhor. ámen – todos de joelhos – um gesto ao de leve da mão do sr. padre e todos os crentes de pé. um exército de fé incondicional pronto a marchar contra as injustiças satânicas comandados com a omnipresença do senhor – ele estava ali. está em todo o lado

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-- oremos ao senhor pelos jovens da nossa diocese que sentem o chamamento de jesus

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já não me lembro desse chamamento – o tempo apaga quase tudo. o caminho é agora assente em recordações a avulso e a perceção da justiça feita na perspetiva de uma alma pecadora recauchutada – não tenho medo da morte em pecado – a equidade já não é exclusiva do meu deus – agora também eu decido o que está mais certo e decido não aos olhos do senhor mas aos meus  que os alimentei do mundo que consumi – somos tempo e este muda tudo. principalmente o juízo do certo e o menos certo – a justiça é feita à medida da vida que escolhemos – pavlov chamou à correlação entre o estímulo incondicionado e a resposta incondicionada de reflexo incondicionado – as crianças reproduzem o comportamento que observam. o medo também pode ser aprendido – com a idade destrui a teoria e nenhuma sineta me faz salivar – não tenho medo de julgar contra a vontade de deus

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-- o acólito toca a campainha e dá-se o início da oração eucarística e a consagração do pão e do vinho em corpo e sangue de jesus cristo

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quem na minha meninice teria a ousadia de dizer que deus não era justo – népias. nem alma. todos temiam a eternidade do inferno – ninguém ousava altear a voz contra o meu deus. o deus de toda a minha rua. de todo o meu bairro. de todo o meu país – até a ideologia do estado novo tinha deus como chefe-mor – salazar mandou publicar: deus. pátria e família. por esta ordem de importância – ai de quem não acatasse a doutrina. a P.I.D.E. tratava-lhe da saúde – e assim se cumpria a palavra do ditador e de deus – também eu sou agora um ditador e a ordem das coisas alterada pela vontade da minha falta de fé em deus e na pátria. só me resta a família – eramos todos crentes. e o céu a nossa eternidade – não era fácil questionar ou duvidar uma fé que nascia com a primeira lufada de ar  

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-- a hora foi pequenina e graças a deus é perfeitinho. com a graça do senhor

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tudo era obra do senhor – assim nasci aos olhos de quem bem me queria: perfeitinho – ai se me pudessem ver por dentro – mas lá fui andando e vivendo com os olhos cravados em fé. queria acreditar no meu deus. no deus que sacrificou o seu único filho para que todos aqueles que nele acreditassem não perecessem. mas tivessem a vida eterna – a minha vida é cada vez menos eterna. a idade não perdoa – questionar era pecar e as portas do inferno abertas para uma perpetuidade a arder em chamas demoníacas – mas toda a criança cresce e com o crescimento do corpo cresceu também as incertezas da fé – com a idade a religião fica cada vez mais complexa. mais complicada de entender e explicar – deus não quer saber das nossas incertezas. não dá cavaco a ninguém – deus é deus. tudo o que permanece em mim é o seu silêncio. como sempre – habituámo-nos – no entanto. sempre acabei por  encontrar uma justificação para a sua mudez – imaginava-o com falta de tempo. ocupado. atarefado. a correr de um lado para o outro. uma mão aqui. uma criança salva. outra mão acolá. uma cura milagrosa. e o mar aberto mais uma vez para passar todos os males do mundo enquanto os mandamentos da lei de deus são cravados num céu onde todos os homens são justos – o mundo perfeito – um sinal nas alturas divinas a indicar o caminho merecido aos seus seguidores – o homem em plena harmonia terrena – deus era todo poderoso e o mundo dos homens íntegros – a fé estava por todo lado – na parede do meu quarto um terço enorme. em madeira. protegia-me de todos os males das trevas. enquanto em cima da mesinha de cabeceira um terço de nossa senhora de fátima. benzido com água sagrada. me protegia do medo do escuro – tantas vezes adormeci amarrado à fé da senhora de fátima – a noite é sempre tão escura para os inocentes –  não havia aposento em minha casa que não ostentasse um sinal de fé. uma cruz. um azulejo com um dos mandamentos de deus. um santo contra o mau olhado. e na sala de jantar uma tela enorme com a última ceia do senhor com judas em destaque – sempre existiram judas no meu mundo – era aqui que dávamos graças ao senhor por nunca nos ter faltado o pão – o milagre da multiplicação num lar de crentes agradecidos – vivíamos em estado de graça: fé. amor. saúde. trabalho e a mesa feita de fartura e tudo isto obra de um deus maior. dono de todas as vontades da terra – pecar era proibitivo para tanta gentileza divina – se me saía da boca um palavra mais atrevida logo a minha mãe me dizia: isso é pecado. nosso senhor não gosta dessa linguagem

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-- sábado vais-te confessar para domingo receberes o senhor sem pecado

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ir ao confesso para libertar o espírito. a alma do pecado. do erro. da desonra. ou da ignomínia da pior imperfeição do mundo – um palavrão dava direito à passagem pelo purgatório. e acrescentava:  

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-- uma alma deve estar sempre limpa pois nunca sabemos quando se cumpre a vontade de deus de nos chamar para o seu reino

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domingo lá recebia eu o senhor. o padre carlos no topo da igreja. ar seríssimo. tudo na igreja é sério. e os crentes todos alinhados. limpos. [na roupa também] confessados. sem um único palavrão. caminhavam passo a passo. solenemente. os olhos no altar em jeito de misericórdia e a boca entreaberta em benignidade pronta a receber o senhor purificador

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-- o corpo de cristo: ámen

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e lá vinha eu de cabeça baixa. expurgado de todos os males do mundo. limpo por dentro e por fora – finalmente puro. renascido para o mundo dos justos e do perdão – ajoelhava-me e ali ficava dois ou três minutos até que o ritual de purificação tivesse o tempo suficiente para não ser olhado de soslaio pelos meus parceiros de fé – nestas coisas da religião tudo tem o seu tempo – cristalino e lavado de todas as impurezas olhava agora o padre carlos olhos nos olhos – sentia-me gigantesco e grato com a divindade no corpo. tanta fé e a alma a inchar de orgulho com o senhor cada vez mais apertado dentro de mim – sentia-me diferente. um estado de paz e alegria silenciosa que nunca saberei explicar – muito menos escrever – finalmente os santos ganhavam vida. olhos largos. sorrisos abertos. apontavam-me o dedo enquanto os lábios pronunciavam em uníssono: és um bom menino – afinal os santos não eram apenas figuras de barro – estava em harmonia com a vontade de deus

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-- ide em paz e que o senhor vos acompanhe

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neste dia do senhor todo o cristão veste a sua melhor farpela para entrar na casa de deus – eu não era diferente – ali estava todo ajanotado. o orgulho da minha mãe. camisa engomada. sapato polido e um casaco a cobrir todas as imperfeições do corpo enquanto o cabelo caía para o lado de deus em perfeita geometria com a orelha. metade coberta e outra metade pronta a ouvir a pergunta sacramental da matriarca ao chegar a casa: de que cor era a batina do sr. padre – a minha mãe tinha que confirmar a minha lealdade aos mandamentos do senhor – ela sabia que satanás era mestre em desviar os menos devotos do caminho da virtude – os seus cuidados nunca eram demais para um filho que se quer como exemplo – é domingo e deus disse: ao sétimo dia descansarás. para que descanse o teu boi e o teu jumento – não tardava nada estava em casa a almoçar uma belíssima carne assada enquanto o meu pai descansava fazendo a vontade ao senhor – só a minha mãe não respeitava a palavra do senhor. era ela que cozinhava – as donas de casa nessa época tinham uma bula pontifícia para poderem alimentar a família de pão e amor  ao domingo

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2ª parte - brevemente



13/08/2015

deambulações noturnas - IX





foto - sampaio rego



na procura da felicidade nunca encontro abrigo nos meus pensamentos – estes. deixam-me sempre angustiado pela quantidade da informação produzida ininteligível – escarnece sem piedade. como se pensar fosse ato abominável – encontro sempre algo para comparar com o que já fiz e emendar o que penso fazer – nasce então mais uma dúvida – a felicidade distancia-se. é mais dada às certezas. magnificência que o meu pensamento ainda não adquiriu – tenho agora a esperança que a morte traga a felicidade eterna. o pensamento será derrotado com o parar das pulsações – e assim alguém dirá por mim: não pensa. logo não existe.



24/07/2015

RELÂMPAGO




antónio manuel couto viana
 
 
 


RELÂMPAGO

 
Não me orgulho de nada:
O mundo foi severo.
A conta, após contada:
Zero.

 
Anda à volta de mim
Quem não sabe quem sou.
Eu fui-me sempre assim.
Ou...?

 
Vejo os outros que passam
Pobres de ser alguém.
Inúteis, ameaçam
Quem?

 
Um nome vale um ano,
Ou apenas um mês.
Há-de descer o pano
Sem me chegar a vez.


                                          (2004)


António Manuel Couto Viana

 



05/07/2015

entre o corpo e o nada




foto - sampaio rego
 
 
trago-me preso ao tempo e o caos alimenta-me a desordem – estou onde o mundo termina e a saudade começa

 

 



01/07/2015

noturno alucinogénico




foto - sampaio rego
 
 

a noite está terrível – não durmo – como sempre a massa encefálica desperta com a chegada do silêncio – começo então a pensar em alta velocidade. acredito eu que não conheço a velocidade de outros pensadores noturnos – gosto de pensar que sou rápido – só me sinto capaz de pensar em silêncio-escuro. sempre me conheci assim – defeito. só pode ser. digo eu e as sombras fantasmagóricas  presas às paredes. sujeitando o discernimento a um pânico alucinogénico onde a sensatez é enfraquecida pelo aparição de um ficheiro secreto – com a noite escura nunca sei o que é real ou criação – nem mesmo sei se ainda existo ou se sou uma mera sombra perdida num espaço de tempo que já passou – talvez seja um espectro. talvez



28/06/2015

aqui estou




foto sampaio rego


aqui estou eu nesta coisa do facebook que serve para dizer o meu estado - para ser sincero não tenho estado. nem alma. nem desejo. nem vontade de ter o que tudo o mundo diz que tem por aqui - juro que não tenho mesmo nada a não ser uma dor que não é dor por baixo de um boca que não sabe falar - não tenho nada mas sinto - sinto uma vontade enorme de me reconstruir. erguer as pernas. endireitar o tronco. acertar os braços com os ponteiros do relógio e acender de novo os olhos do futuro - sinto. sinto uma vontade enorme de dar corda ao coração e voltar a correr nem que seja pelo mar dentro - sexta-feira. 26 de junho de 2015 - estou vivo



26/06/2015

acaso sentiu meu perfume em um beijo que deixei cair?







por acaso você sabe porque o beijo caiu? claro que não sabe. só olhas para o céu. para árvores que dão gaivotas. para estrelas namoradeiras com cometas de cauda gelada. para a loucura dos olhos que pintam tela virgem. para o sol. para o sol que vem das palavras com cheiro a perfume. talvez um campo de malmequeres. talvez uma braçada de rosas no regaço de um futuro que se adivinha – escrever é fazer perfume – no teu perfume tu sabes escolher a primavera com mais sol. mais quente. aquela que basta um casaquinho de lã pendurado no braço para dar segurança à chegada da noite com aqueles ventinhos húmidos do coração – no andar sobressaltado. pé ante pé. os olhas só sabem olhar o céu. no tremer das mãos seguras os beijos que guardas envoltos em perfume da vida – deixaste cair um – os beijos não voam como balões. este tombou a teus pés – debruçado no chão procuro o beijo que te escapou da memória em perfume – ele está aqui. sinto-lhe o perfume


12/06/2015

a vida de uma analepse




foto - sampaio rego
 
 
 
é noite e tenho dentro de mim uma analepse desvairada. orgásmica. banhada num suor lascivo de luxúria. grita desesperadamente por acasalamento – procura um substantivo capaz de fazer acontecer uma história no presente – sempre que vê uma figura ajanotada. com estilo. sorri. acicata. levanta a saia dois dedos acima do joelho. mostra um pouco da zona erógena. abre dois botões da blusa. e deixa o colo insinuar-se em rendas namoradeiras – mas uma analepse será sempre uma analepse. feita de tempo passado. carrega consigo todos os averbamentos da vida: o bom e o mau. a alegria e a tristeza. o certo e o errado. e em desespero olha o futuro apenas para prolongar a existência do que está para trás – a falta do destino é a sua essência – desesperada por encontrar o amor da sua vida. oferece-se como se de uma qualquer se tratasse – precisa urgentemente de alguma coisa que a preencha. um substantivo fálico capaz de averbar à sua vida uma mensagem nova. uma nova arte gramatical. palavras modernas. confiança para o inesperado – a urgência é cada vez mais urgente. ela sabe que a vida é um relógio que não para de contar – nenhum relógio anda para trás – precisa de futuro. precisa do imprevisível. do intempestivo. do surpreendente. do inovador. do revigorador. está farta de ser apenas uma analepse – acredita que um dia. no futuro. vai encontrar o amor da sua vida –sonha com um pequeno conto da sua vida. um verso. um soneto só seu. nem que seja escrito num guardanapo de papel – importante mesmo é que seja um amor eterno como o de shakespeare. ela julieta e ele romeu. envenenados pela eternidade das palavras de hoje – carente. sente a luxúria a invadir cada parte íntima do seu corpo – há um substantivo que não lhe sai da cabeça. um que dá nome a todas as coisas belas do mundo – como é possível querer amar tanto um substantivo que nem sequer conheço – o momento é único. nunca se sentiu assim. é como se encerrasse numa única palavra capaz de dizer tudo sobre o amor de uma vida – gosta agora mais do que nunca de todos as formas verbais capazes de dizer coisas. coisas que muitas vezes ninguém percebe – sabe que só as palavras lhe permitem dizer ao mundo que ainda está viva – um dia terei um substantivo com futuro só para mim – sente agora um friozinho que não sabe explicar enquanto que o corpo treme como se estivesse dentro de um conto de allan poe – não está. nem nunca estará sabe que é uma analepse simples a viver rodeada de histórias que não lhe pertencem – sabe apenas que ama. ama porque para se narrar pequenas ou grandes histórias tem que se ter um grande amor pelo que a vida oferece – um dia prometo-vos que deixarei de ser uma analepse nem que para isso me entregue definitivamente aos poderes da terra e do fogo – arderei e lançarei toda a minha história ao mar – serei então tempo presente e terei o vosso perdão



01/06/2015

desabafo na janela da minha cidade




foto - sampaio rego
 



na minha cidade não há metro. nem buracos no solo a trazer gente de toda a parte do mundo – na minha cidade homens carrancudos conduzem automóveis familiares com autocolantes no vidro traseiro a informar: cuidado! bebé a bodo – se a minha cidade fosse londres tenho a certeza de que haveriam muitos metrossexuais a conduzir automóveis com o volante à direita  – na minha cidade os automóveis circulam com o volante á esquerda e com condutores de bigodes fartos sentados também à esquerda – londres tem metro. tem escadas rolantes a regurgitar gente sisuda do centro da terra a toda a hora – na minha terra só há escadas rolantes nos centros comerciais com gente a subir e descer para não ir a lado nenhum – estou em crer que em londres as crianças não nascem nas maternidades. nascem no subsolo – talvez por isso cheguem à superfície enormes e de óculos escuros. não aguentam a luz – na minha cidade as crianças ainda nascem em maternidades com parteiras vestidas de branco com o estetoscópio pendurado no bolso do lado do coração onde as crianças choram pelas mães. choram de fome. choram pelas mamas carregadas de leite. enquanto passeiam em jardins enfeitados de jasmim – em londres as crianças não choram em jardins. nem choram pela mães. choram com amas em creches cercadas de medo – na minha cidade os jardins tem bancos pintados de vermelho com velhinhos a jogar às cartas com os dedos queimados de cigarros enrolados à mão – em londres os jardins estão mortos de solidão e são tão minúsculos que não aguentam velhinhos a jogar às cartas – na minha cidade as crianças demoram a crescer e são mimadas pelos pais com guloseimas compradas nas portas das igrejas – em londres as crianças não sabem que são crianças e não sabem que há guloseimas às portas das igrejas – na minha cidade os polícias circulam em carros a passo de tartaruga com as sirenes desligadas enquanto os ladrões enganam velhinhas com histórias de outros mundos – em londres os carros da polícia correm pelas ruas a grande velocidade enquanto os malvados arremessam bombas a autocarros apinhados de gente do subsolo – na minha cidade os sinos tocam sempre a chamar pelo nome – hoje morreu o amilcar padeiro. não aguentou a partida da mulher. coitado. com os filhos ainda tão pequenos – em londres os sinos não se ouvem pela falta de nomes – na minha cidade há gente que escreve como eu. sentado para uma janela que não dá para lado nenhum imaginando um mar onde as gaivotas são feitas de palavras que de tão pequenas os únicos olhos que as sabem ler são de quem escreve à janela de um mundo imaginado – em londres tenho a certeza de que há gente como eu a escrever para uma janela que dá para uma cidade como a minha – na minha cidade um dia vamos fazer um metro para trazer londres para aqui – hoje há sol na minha cidade – será que há sol em londres?



12/05/2015

maio cor-de-rosa




foto: sampaio rego
 
 


a semana promete em sol – aumento da temperatura. aumento do libido. do fluido corporal – a energia da vida traduzida num desejo sensual generalizado ao corpo – perna sem meia. saia curta. decote prolongado. cabelo desenhado ao vento e uma vontade enorme de consumir cada minuto da vida – sejam felizes



02/03/2015

assinalavam o feitio da ocidental praia lusitana




leça da palmeira
 



assinalavam o feitio da ocidental praia lusitana


I

berrego com mau feitio
pelo feitio do pão
 

II

berrego com mau feitio
pelo feitio do pão
das fábricas com trabalho a feitio
e do feitio em repoiso nos campos


III

berrego com mau feitio
pelo feitio do pão
onde para o feitio do homem-estado
que por mares nunca antes navegados
assinalavam o feitio da ocidental praia lusitana


IV

berrego com mau feitio
pelo feitio do pão
não há barões
nem armas
nem mares
desespero. desânimo. desalento pelo feitio do pão


inspirado – os lusíadas de luís de camões. canto I



26/02/2015

e tudo o vento levou




foto - sampaio rego
 
 

o medo nasce com o primeiro grito de vida – depois. com o tempo a caminhar descontroladamente pelas mãos. descobrimos que a imortalidade não existe – gritamos mas já não vamos a tempo de mudar nada do que está para trás – a história está feita – a foto é real. em cima da cómoda. em momentos desordenados o tempo parado. pendurado na verdade de um passpatour preenchido de sorrisos instantâneos – afinal nunca estivemos parados – descobrimos o que sempre soubemos nos silêncios – estamos perturbados. questionamos se a correria é igual para todos ou se foi uma escolha nossa. talvez uma mescla de destino. sorte, azar e encontros que não controlamos – aquela criança que ainda ontem tinha dado o grito da vida. mais não fez do que expandir os pulmões. sugou todo o ar que cabia dentro de si e nunca mais parou de correr – correu. correu. correu sem perceber que os pés estavam sempre à frente do corpo. e os olhos. loucos pelo que viam. corriam ainda mais do que as pernas. descansavam no infinito. esperavam todos os dias o amanhecer. só eles sabiam que ainda havia muito por ver – ver é voar para lá do corpo – todos os corpos têm asas – como diz um amigo meu. todos os corpos são gaivotas. vivem pousados em vento. o destino é feito pelo tamanho das asas – chegamos onde as asas nos levam. o vento sempre existiu. a dúvida é: erro ou destino? nunca saberemos. talvez as duas coisas. talvez a mutabilidade do corpo. talvez da mente. talvez sem saber nascemos umas quantas vezes. e estamos sempre a dar gritos de sobrevivência – e agora? agora corremos. em sufoco. queremos chegar ainda a tempo de recolher todas as lembranças para dentro de um corpo que. sem darmos conta. está ocupado de quinquilharias – não há espaço. só há espaço no futuro que continuará a fluir para a frente dos desejos – temos medo de perder as mãos. os olhos. as pernas. o saber. a sensibilidade. o carinho. temos medo de perder esta forma de escrever. de dizer coisas – não podemos perder o que resta do tempo. andamos enquanto pudermos. na praia. olhamos enquanto pudermos. os amigos. usamos as mãos enquanto pudermos. para abraçar. escrevemos enquanto pudermos. afeto. sensibilidade. paixão e alegria. por cada dia de conquista. como aquele em que demos o primeiro grito –



03/02/2015

transversal




jan steen
 
 

na minha escrita não há leitores gratos – escrever é libertação. magia. perdão. entrega. e em cada palavra o arresto de uma parte de mim  entregue aos cuidados de quem me lê – escrever é fazer parte de outras vidas partindo para um desconhecido que possivelmente nunca irei encontrar – escrever é dar a ler. sentir a leitura é ficar para sempre grato – amo a palavra gratidão. é com as mãos que a faço existir. ocupando um pequeno espaço de quem me ajuda a escrever – só os leitores dão vida à escrita

 


21/01/2015

sem rede




omar ortiz
 



mesmo tu para me fazeres escrever sem rede - gosto de escrever para ti. gosto de escrever para a mulher que escreve num papel que não toco. gosto de escrever para a mulher que me inventa o som dos pés que nunca vi caminhar - gosto de escrever para a mulher que joga o cabelo sempre para o mesmo lado. o lado da fotografia - gosto de escrever para a mulher que me escreve a alma - gosto de escrever para a mulher que me empurra para as palavras e me faz acreditar que escrever é muito mais do que ver e sentir. é acreditar