.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

05/07/2010

chamava-se falhada










hoje morreu uma gaivota malhada. suicidou-se do mar e do vento que trazia dentro de si – chamava-se falhada. tinha nascido com uma falha na ambição. queria voar para lá do mundo que imaginava – todos os dias. ao fim da tarde. olhava o horizonte da sua falésia que um dia tinha sido do seu pai e atirava-se ao vento – com o bico cerrado. teimava em subir até onde nunca outra ave tinha voado. e a favor do vento gritava por si – sabia que apenas o que havia dentro do seu peito. era capaz de a fazer subir mais alto – sonhava. subia. subia. subia e sonhava. não se lembrava nunca de ter voado sem sonhar. subia sempre a gritar. como se tentasse despertar um parte de si que ainda não tinha acordado – acreditava que um dia éolo. deus do vento. comandante de todas as brisas boas e más. iria escutá-la. acreditava que nesse dia. finalmente. o seu deus compreenderia a razão dos seus voos sonhadores – iria poder explicar o porquê dos sonhos não poderem nunca ser abandonados a um qualquer vento norte – finalmente. poderia fazer um desenho no céu capaz de ser entendido pelo tempo que o espiava – não compreendia porque tinha de carregar estradas que afinal no meio do vento não existem. tantas vezes pediu para ser um homem. um homem com um caminho simples. podia ser até feito de terra batida. podia ter cruzes e pedaços de carvão em chama. estava cansada. não compreendia o porquê das noites serem sempre tão frias e enormes. não entendia o porquê. da lua. sua única amiga. estar sempre a mudar de forma e lugar – talvez fosse a forma de recomeçar uma nova vida. sem ninguém saber que afinal era a mesma lua de sempre – será que também ela queria voar e não conseguia? mas uma gaivota é uma gaivota. e esta. sabia que tinha nascido com o infinito nos olhos. sabia que é nos dias em que os pescadores se recolhem em terra. que ela era ainda mais livre no seu mundo – nesses dias. quando o céu escurece e o vento ganha voz. faz de todas as folhas caídas pássaros vagabundos. sopra a brisa das brisas – aquela que é capaz de pegar em todos os seus sonhos. e os transformar em pedaços de vida com carne. sangue e dor – sabia que era o seu fim. sem sonhos tinha que partir – cravaria as memórias nos olhos. cortaria as asas. arrancaria todas as penas que lhe tapavam as cicatrizes dos sonhos. e aí. mergulharia no oceano – será então apenas um ponto na imensidão. um barco à vela. navegando à vista para todos aqueles que acreditam em sonhos. hoje suicidou-se com o sonho que amava. amanhã voltará a voar. com outro sonho.



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