.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

28/07/2010

será o dia do tudo ou nada








pedi a uma cigana que me lesse o futuro. olhou para mim. desconfiada. tirou um espelho do bolso e colocou-o diante dos meus olhos – riu-se – perguntou-me o que eu gostaria de saber que não tivesse visto no espelho – queria apenas saber se existia para além do meu reflexo – ela riu-se ainda mais – deixou-se cair entre as mãos e. pelo nó dos dedos. ecoaram gargalhadas engolidas por um ventre cheio de saber – pediu-me a mão. entreguei-lhe a direita. aquela que escreve as noites – chamou-me aldrabão – disse-me que. dentro daquela mão. nada existia para além do momento que faz o próprio momento – pediu-me a outra mão. a esquerda. aquela que sempre guardo no bolso das calças. com medo de perder a identidade – sentámo-nos num banco de jardim. com vista para uma cidade que guarda o livro do meu batismo – foi ali que. um dia. um padre me mergulhou em água que viera dum poço de desejos que não o era – a seguir. ungiu-me. fez-me o sinal da cruz. que mais não é do que a cruz de alguém que partiu pelo peso da dor – abri a mão. suada. trazia impressa a marca das unhas no seu interior – há tanto tempo que estava fechada – tenho medo. sei que é com esta mão que posso perder a vida. posso perder o passado. é por ela que existo – no dedo mindinho. há um terraço com os meus primeiros passos. ainda hoje é lá que moro sempre que quero ver as pessoas perdidas – um dia. naquela bola vermelha que outrora chutei para um lugar que ainda não descobri. encontrar-me-ei – hoje sei que era o futuro. perdi-me dentro daquele chuto – olhou-me. destemida. entrou com os olhos na palma da minha mão. dentro das linhas da vida. encontrou a morte. disse-me que estava perto – matou-a com uma reza de esperança – abriu um sulco para uma nova vida. feita com a alma de um antepassado que vendia toalhas de rosto numa feira às portas da desgraça – os vocábulos eram comidos pelos ouvidos. a ladainha sorvia a realidade. as palavras nasciam aos milhares da palma da minha mão. era como se. naquele pequeno espaço. eu tivesse a odisseia de homero – fitou-me mais uma vez – pela primeira vez. percebi que o seu sorriso era. afinal. uma contração de dor – inclinou-se sobre o indicador. talvez tivesse umas glosas nas bermas deste dedo. com letra de rascunho. e. por fim. disse-me: morrerás com as palavras a nascer dentro de um nada. será o dia do tudo ou nada



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