.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

17/07/2010

a árvore e a pedra










tenho o espectro de uma árvore num vaso no meu terraço. secou há muito tempo. era daquelas árvores de companhia. que nunca seria capaz de me fazer sombra ou albergar um ninho de pássaro – mas gosto de imaginar a árvore com aquele tronco franzino. engelhado. seco. sem fruto nem flor. a fazer do meu terraço quase uma floresta – não tenho uma única memória do seu passado. não me lembro de uma única folha verde. onde a água era a sua vida. e a mão do homem esperança para uma eternidade que não existe – hoje. quando a quero recordar. sobrevive apenas em memória um pau ressequido. seguro por um punhado de terra. também já morta. incapaz de sustentar qualquer tipo de vida – a seu lado. a companhia de sempre. uma pedra quase lápide. igual a qualquer outra qualquer. teimava em acreditar que um dia faria parte de uma história ao pé de árvore gigante – gastou-se pela inutilidade. acabou por esquecer a sua própria história. atirando-se montanha abaixo. acabando de vez com a sua inutilidade – precisava de entender como se procedia à fotossíntese. estava cansada de viver ao lado da morte. precisava sentir a seu lado árvores a tocar o céu. transformando a desilusão em vida  – tinha ouvido dizerem que. numa cidade perto de si. havia uma feiticeira com uma porção mágica capaz de dar vida às pedras com ambição – neste pedaço minúsculo de terra. a pedra sabia que era a única diferença para a árvore. sua única companhia – e assim se fez do meu terraço um deserto de inutilidades: apenas uma árvore sem vida. uma pedra. e um punhado de terra. todos falecidos. só a memória do vaso guarda o que lá se passou. tão pouco – moral da história: para aprender. temos que ter quem nos ensine. para evoluir precisamos de companhia. e para se ser bom. devemos ter ao nosso lado quem seja melhor do que nós – esta pequena árvore. agora morta. sempre gostou de aprender. de saber coisas. muitas coisas. até as inúteis. como saber que o cometa halley passa pela terra a cada setenta e seis anos – já não estará cá. ela e eu. talvez a pedra resista. mas continuará a ser pedra



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