o mundo é uma galeria de arte. milhares de
livros. sinfonias. esculturas. pinturas. todos
diferentes. de várias épocas. várias tendências. várias
escolas. uns mestres. outros bafejados pela sorte de uma
pincelada. de um traço preciso e fino. e a obra com o nome numa
rua sem fim – aos olhos do mundo. para além do espanto. nada mais
existe na arte como produto final: o artista é apenas a ferramenta da
criação do belo – na obscuridade as mil razões para cada palavra
parida. a cor trabalhada. o tipo de traço. a luz e as
sombras. a meditação. a organização. a apuração e escolha
final de todos os ingredientes – a imortalidade da obra nunca é obra do acaso –
finalmente as naturezas mortas menos mortas do que o génio – o artista é do
mundo. digna ou desprezível a sua obra. é mesclada com os ácidos
do trato digestivo. degustada na obscureza do palato. ora com
delicadeza. ora trinchado. é compreendida ao gosto de cada
dente: boa. má. de génio. indiferente ou imbecil –
nunca se será mais nada. nem cheiro ao suor. às lágrimas. à
indisposição. ao punhal em equilíbrio a rosnar à criação. num cai
ou não cai. à voluntariedade de trocar toda a sua existência pela
ressurreição de uma única palavra. de uma única cor. de uma única
nota – depois da obra não se é nada. nada para além das folhas com a sua
demanda em glosas quase indecifráveis: salvem-me. aceitem-me –
liberdade ou morte – é no meio da edificação do talento que se aquietam os
génios. estáticos e indiferentes aos íncubos das palavras maldizentes sofrem
ainda os horrores da revolução cultural chinesa: um dia queimam-me –
esta gente tem que saber que nos imortalizamos pela palavra e não pelo fogo – o
corpo descansa sempre a sul numa tranquilidade talentosa. vestido de
pedra. imortalizado pelas mãos. recusa virar os olhos à
mortalidade – a tela. a mármore. o papel. a madeira.
será sempre um grito desesperado do que vive nos fazedores de arte. um
desejo de imortalidade que não querem para o corpo. uma esquizofrenia
incurável. uma luta sempre perdida. um interior de um homem
despido ao egoísmo do belo. um coração na obra a bater para sempre–
todos os homens fazem arte. nem todos os homens são artistas – todo aquele
que gosta de escrever sabe que um dia morrerá perdido numa folha de papel sem
arte