james ensor
acreditei que
o luto estava encerrado. disse. acreditei – esta coisa da morte é estranha.
quando menos se espera volta a viver como se nunca nada tivesse partido – se eu
me compreendesse talvez pudesse escrever alguma coisa com mais sentido. mas
não. não me compreendo. quiçá uma parte de mim está morta e quem escreve este
rascunho de coisa nenhuma não é mais do que uma debilidade de uma parte do corpo
que teima em escrever para viver
[quando saio à rua vejo tudo
tão vivo. como se nunca nada tivesse partido do mundo)
tu que me estás a ler. sim tu. tu mesmo. achas que estou louco? sabes o que é a morte? sabes? já sei o que vais responder. vais dizer que sabes o que é a vida. e que a vida são pássaros a voar em bando e roupa a secar num estendal de uma varanda num quarto andar desabitado – mas quem me manda escrever? quem? neste dia de merda talvez o certo fosse mudar a terra naquele vaso que ninguém consegue ver – o bando de pássaros vê – um dia vou mostrar-vos – talvez depois de morto os sonhos possam florir anunciando a ressurreição de quem chegou sempre atrasado às palavras. no vaso que ninguém vê