graciela rodo boulanger
introdução para
contextualizar o aparecimento deste novo texto – “escrever reconcilia-me com a vida”
mário
osório comenta no facebook a minha crónica – “não é escritor quem quer”
Mário
Osório – um carpinteiro de palavras, não sei, mas escreves e és escritor, um
daqueles com uma inteligência emocional maravilhosa, um toque muito próprio. é
muito bom seguir-te, são viagens que valem sempre a pena - um abraço.
23/01/2014
Sampaio
Rego – abraço mário. mesmo
23/01/2014
Sampaio
Rego – "Ler um livro é para o bom leitor conhecer a pessoa e o modo de
pensar de alguém que lhe é estranho. É procurar compreendê-lo e, sempre que
possível, fazer dele um amigo." hermann hesse - obrigado nuno [mário]. o
abraço sabia a pouco
23/01/2014
António
Viana – Na leitura não há a procura de compreender quem escreve, há a procura
de sermos compreendidos, assim como na escrita!
24/01/2014
António
Viana – E não é escritor quem escreve, não faltariam escritores, eu por
exemplo, é escritor quem sabe descrever a alma humana!
24/01/2014
Sampaio
Rego – creio estares a fazer um comentário a um meu comentário e não ao texto
que originou o comentário – confesso que só li um livro do hermann hesse – no
entanto. já várias vezes tive oportunidade de ler pequenos trabalhos académicos
sobre este autor. insignificantes para o valor que representa a sua obra na
literatura mundial – um nobel é sempre um nobel [bem sei que há exceções] – és
bem capaz de ter alguma razão. todos temos sempre alguma razão quando trazemos
ao papel o que nos vai na alma – no entanto. este meu comentário é feito a uma
pessoa que conheço pessoalmente. tive o prazer de poder usufruir da sua
companhia na minha casa. com a minha família. em momentos especialíssimos para
mim. nos jantares de domingo – o pensamento do herman hesse serviu apenas para
reafirmar a estima e consideração que tenho pelo “mário osório” que está muito
para lá do homem que escreve no facebook. luso ou blogue – mas isso é outra
história dentro da minha história – compreendo-te – estas coisas da escrita são
como os medicamentes. como a penicilina. salva milhões. no entanto. alguns não
a toleram e acabam por sucumbir – felizmente são poucos – o importante destas
amizades virtuais é que quando estava a responder ao teu comentário perdi a
noção do tempo e das palavras e quando dei por mim tinha duas páginas
preenchidas – resolvi então transformar o meu comentário em mais uma crónica.
dá pelo nome: escrever reconcilia-me com
a vida – [irei postar de seguida. estou apenas à procura de uma pintura
para lhe fazer companhia]
27/01/2014
António
Viana – Sim, foi a um comentário teu e a outro comentador, sem querer por em
causa quem fosse! Tento ao máximo não personalizar as minhas opiniões, mas sim
ao que a pessoa diz. Há uma tendência geral para se dizer que quem escreve é
escritor, ou em sentido mais restrito, quem faz "poemas" é poeta e
nesse sentido dei uma opinião tentando desconstruir esta concepção, que eu vejo
cada vez mais generalizada. Dentro da linha de não querer saber qual o nome que
está por trás de uma afirmação, opinião, texto o que valha de manifestação, dei
a minha opinião sobre o que Hermann Hesse afirmou, sem tentar beliscar ao
mínimo a sua qualidade como escritor, poeta e também filósofo que aprecio.
Nunca um nome influenciará opinião minha, poderá chamar-me mais à atenção, não
mais do que isso. Fico contente por de alguma forma a minha intervenção ter
ajudado um pouco à tua escrita, como contente fico quando assim acontece
comigo, é sinal que estamos atentos e não só centrados em nós. Abraço.
27/01/2014
escrever
reconcilia-me com a vida
escrever reconcilia-me com a vida – se existir
uma tabela de preferências para o que nos leva a escrever e a ler é obvio que
os motivos que apresentas estão com toda a certeza no pódio dessa tabela – no
entanto. no que diz respeito à minha pessoa. melhor dizendo. ao escrivão que
escreveu o texto “não é escritor quem quer”. digo. com sinceridade. que as razões
que me levam a escrever não competiriam pelos primeiros lugares dessa tabela –
escrevo por necessidade – escrevo para fugir da solidão. quando o faço
encontro-me – escrevo porque é com as palavras no papel que a minha verdade
fica eterna. importante – escrevo para voltar ao passado. e com a lucidez do
tempo que já me consumiu. encontrar razões coerentes para perceber o que sou
hoje – escrevo porque a escrita me obriga a ser autêntico. escrever é um acto
nobre – escrevo porque sou feliz a guardar-me em papel. eu tenho uma história –
sou feliz a escrever. escrever recompensa. se assim não fosse não o faria – dezenas
de vezes escrevi nas minhas crónicas. que o meu maior embaraço é não saber falar – quem diria. eu que falo
pelos cotovelos – não sei explicar nada com a oralidade. defeito do DNA – falo
então a escrever. não é fácil. acredita que não. mas um dia. estou em crer. os
meus filhos. mais maduros. na segunda idade dos porquês. terão estes papeis para poderem saber um pouco
mais do pai que escreve. e quem sabe. saberem também um pouco mais deles – hoje
quanto não daria eu por uns papeizinhos do meu pai. fiquei com tantas perguntas
por lhe fazer. tantas mesmo – tenho a certeza que são mais de mil. muitas mais
– percebi tardiamente que o que nos distanciava na minha juventude. é agora na
meia idade. o que me torna mais parecido – sou tanto dele e não sabia – se mais nenhuma
razão houvesse esta já seria suficiente para me fazer escrever – um dia os meus
filhos também poderão ficar ainda mais próximos de mim – a questão que coloco
muitas vezes é o motivo porque torno público uma escrita quase sempre
autobiográfica. interrogo-me se o deveria fazer – confesso. estou muito dividido
nas certezas e nas dúvidas – por variadas razões entendi que o melhor era
escrever – uma das muitas razões é esta que me leva a responder ao teu comentário:
falar para ti. dizer o que penso – escrever o que sou. porque o sou. é para mim
uma necessidade tão forte que não basta ser dita da boca para fora. tem que ser
escrita – outra das razões é que só posso melhorar a minha escrita se a tornar
pública – se não vos entregasse os textos não poderia aspirar a escrever sempre
melhor. o esforço por encontrar as palavras certas deixaria de fazer sentido.
bastaria um caderno de notas. cheio de erros. sem concordâncias. sem metáforas.
sem hipérboles. sem sentimento. sem nada do que é meu verdadeiramente meu.
genuíno. bom ou mau. não interessa. sendo o que sou porque cada um é como é – se
não me entregasse na escrita. para que serviria o corretor do word. para que
serviria a gramática que tenho em cima da escrevaninha. os dicionários. para
que serviria a voz de um filho a perguntar se uma qualquer palavra se escreve
com um H ou um A – não quero compreensão para o que sou. nem para o que fui. quero
apreço pelo esforço a que me devoto para trazer as palavras mais acertadas para
o que me proponho a falar – escrevo para marcar o tempo. como quem marca um
trilho numa floresta com pedrinhas para saber o caminho de volta – quando
escrevo saio da alma. quando leio entro na alma. mas no final. na escrita ou na
leitura. é para mim que quero voltar. sempre – escrever para mim não é fácil.
não nasci com essa arte. e para cada palavra procurada a busca é quase sempre
extenuante. fico sempre com a sensação de que nunca deixo ficar na escrita o
sentimento que me acontece na alma – e assim digo: não sou escritor. mas gosto
de escrever. gosto de fazer amigos com a escrita. gosto de saber que quem me lê
entende que o faço com prazer. que dou tudo tenho e que sei para me compreenderem.
como se lhes estivesse a amarrar as mãos – quando alguém me diz que sou
escritor. está a dizer-me que gostou de tomar um café na minha companhia. que
fomos ao cinema ver um filme qualquer apenas para estarmos um tempo juntos. que
vimos uma partida de futebol e pulamos de alegria com um golo que não foi o da
nosso equipa – quando alguém me diz que escrevo. diz-me para não desistir.
diz-me vai em frente. diz-me que já lhe chega ser o que sou mesmo que nunca
possa ser um verdadeiro escritor. para essas pessoa já é importante me terem nessa
meia dúzia de palavras – escrevo para mim. gosto de mim quando escrevo. mas se
pudesse mudar o passado tenho a certeza de que hoje seria muito melhor escritor.
no entanto. não estou certo se seria melhor pessoa – o que não mudaria nunca
era as pessoas que passaram na minha vida. elas são tudo o que sou hoje. não guardo
culpados dentro de mim. sou o que sou porque em momentos da minha vida escolhi
caminhar sem colocar pedrinhas nos trilhos que escolhi – quando nos perdemos
por convicção demoramos sempre mais tempo a encontrar o caminho mais certo para
o que somos na verdade – escrevo hoje para que a verdade de amanhã não me
atormente nunca mais o passado – sei que o tempo muda o homem. amanhã poderei
ser outro. mas agora tenho estes papeis escritos – quando escrevo sou o que sou
no momento. mas em cada momento nunca deixo de ser o que fui. acredito –
eugénio de andrade um dia escreveu esta coisa maravilhosa. "Eu nem sequer gosto de escrever, Acontece-me às vezes estar tão
desesperado que me refugio no papel como quem se esconde para chorar. E o mais
estranho é arrancar da minha angústia palavras de profunda reconciliação com a
vida." – também eu me reconcilio comigo a escrever