.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

26/04/2023

cavar buraco

 

 




“hoje. com o hemingway por perto. estou convencido de que se fosse possível cavar um buraco a partir da minha terra este iria dar à américa. chegado lá. só teria que comprar uma arma para matar as palavras. não as que escrevo. porque essas já nascem mortas. as que me vivem na cabeça e me enganam com esperança”- in e se… 



21/04/2023

inteligência emocional



 




na procura da felicidade nunca encontro abrigo nos meus pensamentos – estes. deixam-me sempre angustiado pela quantidade da informação produzida ininteligível – escarnece sem piedade. como se pensar fosse ato abominável – encontro sempre algo para comparar com o que já fiz e emendar o que penso fazer – nasce então mais uma dúvida – a felicidade distancia-se. é mais dada às certezas. magnificência que o meu pensamento ainda não adquiriu – tenho agora a esperança que a morte traga a felicidade eterna. o pensamento será derrotado com o parar das pulsações – e assim alguém dirá por mim: não pensa. logo não existe - in deambulações noturnas IX




17/04/2023

o caminho leva-nos o tempo - mais um ano

 




como
hoje é um dia especial para os meus filhos resolvi oferecer-lhes esta prosa poética de charles baudelaire – e o que lhes peço. em primeiro lugar. é que reflitam nas palavras do autor. escutem-nas com as janelas abertas – depois. e em segundo lugar.  é que se embriaguem todos os dias com a vida e. principalmente. com eles próprios. para quando chegarem à minha idade possam fazer como eu. beber água e embriagar-me com os filhos e os amigos – a felicidade é um caminho difícil de se fazer com pressa. é mais de colocar pedra a pedra. pisá-las bem e com jeitinho. e um dia tudo fará sentido

 


Embriagai-vos

Deveis estar sempre embriagados. Aqui reside tudo. É a única questão. Para não sentir o horrível fardo do Tempo que vos esmaga os ombros e vos verga para a terra, é imperativo embriagar-se sem descanso.

Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, a vosso gosto. Mas embriagai-vos.

E se por acaso, sobre os degraus de um palácio, sobre a relva verde de uma vala, na morna solidão  do vosso quarto, acordardes de embriaguez diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que roda, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai que horas são; e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio vos responderão: “É hora de vos embriagardes! Para que não sejais escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos; embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, a vosso gosto.

 

charles baudelaire. in poemas em prosa



15/04/2023

às vezes julgo ver nos meus olhos











Às vezes julgo ver nos meus olhos

A promessa de outros seres

Que eu podia ter sido,

Se a vida tivesse sido outra.

 

Mas dessa fabulosa descoberta

Só me vem o terror e a mágoa

De me sentir sem forma, vaga e incerta

Como a água.

 

Sophia de Mello Breyner Andresen 

 


12/04/2023

elas

 




ninguém quer saber quem é o dono do bem se é o mal que traz a esperança – o homem da vida real esqueceu que só a partilha justa produz harmonia – andamos todos enganados.

 

in ilusão – 04.05.2014



10/04/2023

pai guinness

 







acredito que todos os pais amem os seus filhos com o mesmo sentimento louco e absoluto com que amo os meus – este mistério do amor incondicional. transversal a todos os progenitores.  irrita-me. digo. irrita-me profundamente – gostava de ser o pai que mais amasse os seus filhos em todo o mundo: o pai the best. the best crazy dad in the world – mas para ter a certeza desta minha loucura persistente. e infinita também. necessitava que houvesse um medidor de amor. tipo aparelho de medir a tensão. mas em vez de abraçar o braço. abraçava o coração. e começava a encher de amor. a apertar cada vez mais. a estrangular o batimento. a acelerar as palpitações. e uma dor boa a invadir os aurículos. e os ventrículos a lastimarem-se em mel. a pedirem mais dor. “no pain. no gain. o que quer dizer: sem dor. sem ganho”. e os números no aparelhómetro a subir. a passar os mil e muitos. e os alarmes a zoar. os pulmões a abafar. as pernas a titubear. os braços a tiritar. os olhos a revirar. a mente a levitar. e o túnel de luz branca a chamar pelo nome: sampaio. vem. caminha. aqui o amor é ilimitado – e por fim a mensagem no mostrador do aparelhómetro: acabou de entrar para o guinness como o pai que mais ama os seus filhos em todo o mundo – infelizmente não há nenhum medidor de amor. terei que viver com esta dúvida constante e aterradora. adaptar-me. aceitar. às vezes contrariado. às vezes imensamente irritado. às vezes a consentir a dúvida. a permitir o seu assento no coração. mas que me aflige esta incerteza. aflige. e muito – mas se por obra do diabo. aparecesse um pai que amasse mais os seus filhos do que eu os meus. o que creio ser impossível. mesmo para satanás. juro que me mataria de vergonha. colocaria uma asas de cera e atirar-me-ia contra o sol até que me incendiasse. e me estatelasse no chão morto como ícaro – ser pai foi uma missão desejada. possível e fantástica – gostava que quando o carteiro tocasse à campainha de minha casa perguntasse: é da casa do pai que mais ama os seus filhos em todo o mundo? e eu de voz afinada em orgulho respondia: é sim. mas fique o camarada a saber que ainda não os amo o suficiente – ando agora a ler um livro para ver se consigo amar ainda um pouco mais. já amo daqui até marte. mas quero chegar a saturno. e quem sabe um pouco mais longe – hoje. dou comigo a pensar que homem seria se não tivesse sido pai. como teria envelhecido? que desculpas encontraria para justificar tamanha estupidez? o que escreveria para me desculpar desse devotado egoísmo? os meus filhos são o meu paraíso. é neles que descanso. eles são o meu infinito. são a minha ode à vida. com os meus filhos não me ouço respirar. nem há mar a ir e a voltar. nem bem-me-queres a espigar. nem vida depois da morte. eu morro e ressuscito sempre que os tenho ao pé de mim – não é possível passar este amor para papel. não há dom terreno. nem divino. nem arranjo nas mãos. nem figuras de estilo que sustentem tamanho afeto. tamanho sofrimento bom – amar os filhos é uma multiplicação diária. é ofertar a alma e corpo. é viver em generosidade permanente – eu componho estes textinhos com coração. tento escrever este amor que me arde sem parar. mas digo: tento. sou teimoso. mas quando acabo de tentar. quando tenho que colocar o ponto final. envergonho-me. e volto a dizer para mim: não vales nada como escritor sampaio. se não fossem os teus filhos então é que não valerias mesmo nada. eles são a tua grande obra. o teu grito de edvard munch. a tua noite estrelada de vicent van gogh. o teu beijo de gustav klimt. o teu carregador de flores de diego rivera. a tua persistência da memória de salvador dali… os meus filhos são a minha guernica de pablo picasso. o meu sorriso de mona lisa. a família de paula rego – os meus filhos são a minha arte. o meu espelho mágico. porque em cada um deles eu acabo sempre por me encontrar. e digo: eu também sou assim. eu também faço assim. eu também ando assim. eu também olho assim – por esta arte minha eu levaria com seta. bala. ou tiro de canhão – gostava que depois da minha morte a minha casa tivesse uma lápide pregada à parede. gigante para que fosse fácil o seu avistamento da lua. e que dissesse: aqui morreu o homem que mais amou os seus filhos em todo o mundo. paz à sua alma

 

 


05/04/2023

sou-te o quê afinal - amor










amor!

sou-te o quê afinal

talvez um d. quixote

um inventor de camas e palheiros

onde o amor medra como pulgas

onde ejacular é mais forte

de que um barril de whisky

de que um charro afegão

de que uma ereção de cavalo

mas se me quero dentro de ti?

sim. quero

como quero a chuva no verão

como quero o vento nos moinhos

como quero as gaivotas no mar

e se dentro de ti

nada encontrar deste meu amor

meladinho e tonto

então…

quero morrer

porque quem morre de amor

morre em louvor