“hoje. com o hemingway por perto. estou convencido de que se
fosse possível cavar um buraco a partir da minha terra este iria dar à américa.
chegado lá. só teria que comprar uma arma para matar as palavras. não as que
escrevo. porque essas já nascem mortas. as que me vivem na cabeça e me
enganam com esperança”- in e se…
na procura da felicidade nunca encontro abrigo nos meus
pensamentos – estes. deixam-me sempre angustiado pela quantidade da informação
produzida ininteligível – escarnece sem piedade. como se pensar fosse ato
abominável – encontro sempre algo para comparar com o que já fiz e emendar o
que penso fazer – nasce então mais uma dúvida – a felicidade distancia-se. é
mais dada às certezas. magnificência que o meu pensamento ainda não adquiriu –
tenho agora a esperança que a morte traga a felicidade eterna. o pensamento
será derrotado com o parar das pulsações – e assim alguém dirá por mim: não
pensa. logo não existe - in deambulações noturnas IX
comohoje é um dia especial para os meus filhos resolvi oferecer-lhes esta
prosa poética de charles baudelaire – e o que lhes peço. em primeiro lugar. é
que reflitam nas palavras do autor. escutem-nas com as janelas abertas – depois.
e em segundo lugar. é que se embriaguem
todos os dias com a vida e. principalmente. com eles próprios. para quando
chegarem à minha idade possam fazer como eu. beber água e embriagar-me com os
filhos e os amigos – a felicidade é um caminho difícil de se fazer com pressa. é
mais de colocar pedra a pedra. pisá-las bem e com jeitinho. e um dia tudo fará
sentido
Embriagai-vos
Deveis estar sempre embriagados. Aqui reside tudo. É a única
questão. Para não sentir o horrível fardo do Tempo que vos esmaga os ombros e
vos verga para a terra, é imperativo embriagar-se sem descanso.
Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, a vosso gosto.
Mas embriagai-vos.
E se por acaso, sobre os degraus de um palácio, sobre a relva
verde de uma vala, na morna solidãodo
vosso quarto, acordardes de embriaguez diminuída ou desaparecida, perguntai ao
vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o
que geme, a tudo o que roda, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai
que horas são; e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio vos
responderão: “É hora de vos embriagardes! Para que não sejais escravos
martirizados do Tempo, embriagai-vos; embriagai-vos sem cessar! De vinho, de
poesia ou de virtude, a vosso gosto.
ninguém quer saber quem é o dono do bem se é o mal que traz
a esperança – o homem da vida real esqueceu que só a partilha justa produz
harmonia – andamos todos enganados.
acreditoque todos os pais amem os seus filhos com o mesmo
sentimento louco e absoluto com que amo os meus – este mistério do amor incondicional.
transversal a todos os progenitores.
irrita-me. digo. irrita-me profundamente – gostava de ser o pai que mais
amasse os seus filhos em todo o mundo: o pai the best. the best crazy dad in
the world – mas para ter a certeza desta minha loucura persistente. e infinita
também. necessitava que houvesse um medidor de amor. tipo aparelho de medir a
tensão. mas em vez de abraçar o braço. abraçava o coração. e começava a encher
de amor. a apertar cada vez mais. a estrangular o batimento. a acelerar as
palpitações. e uma dor boa a invadir os aurículos. e os ventrículos a
lastimarem-se em mel. a pedirem mais dor. “no pain. no gain. o que quer dizer:
sem dor. sem ganho”. e os números no aparelhómetro a subir. a passar os mil e
muitos. e os alarmes a zoar. os pulmões a abafar. as pernas a titubear. os braços
a tiritar. os olhos a revirar. a mente a levitar. e o túnel de luz branca a
chamar pelo nome: sampaio. vem. caminha. aqui o amor é ilimitado – e por fim a
mensagem no mostrador do aparelhómetro: acabou de entrar para o guinness como o
pai que mais ama os seus filhos em todo o mundo – infelizmente não há nenhum
medidor de amor. terei que viver com esta dúvida constante e aterradora.
adaptar-me. aceitar. às vezes contrariado. às vezes imensamente irritado. às
vezes a consentir a dúvida. a permitir o seu assento no coração. mas que me
aflige esta incerteza. aflige. e muito – mas se por obra do diabo. aparecesse
um pai que amasse mais os seus filhos do que eu os meus. o que creio ser
impossível. mesmo para satanás. juro que me mataria de vergonha. colocaria uma
asas de cera e atirar-me-ia contra o sol até que me incendiasse. e me
estatelasse no chão morto como ícaro – ser pai foi uma missão desejada. possível
e fantástica – gostava que quando o carteiro tocasse à campainha de minha casa perguntasse:
é da casa do pai que mais ama os seus filhos em todo o mundo? e eu de voz
afinada em orgulho respondia: é sim. mas fique o camarada a saber que ainda não
os amo o suficiente – ando agora a ler um livro para ver se consigo amar ainda
um pouco mais. já amo daqui até marte. mas quero chegar a saturno. e quem sabe
um pouco mais longe – hoje. dou comigo a pensar que homem seria se não tivesse
sido pai. como teria envelhecido? que desculpas encontraria para justificar
tamanha estupidez? o que escreveria para me desculpar desse devotado egoísmo? os
meus filhos são o meu paraíso. é neles que descanso. eles são o meu infinito.
são a minha ode à vida. com os meus filhos não me ouço respirar. nem há mar a
ir e a voltar. nem bem-me-queres a espigar. nem vida depois da morte. eu morro
e ressuscito sempre que os tenho ao pé de mim – não é possível passar este amor
para papel. não há dom terreno. nem divino. nem arranjo nas mãos. nem figuras
de estilo que sustentem tamanho afeto. tamanho sofrimento bom – amar os filhos
é uma multiplicação diária. é ofertar a alma e corpo. é viver em generosidade
permanente – eu componho estes textinhos com coração. tento escrever este amor
que me arde sem parar. mas digo: tento. sou teimoso. mas quando acabo de tentar.
quando tenho que colocar o ponto final. envergonho-me. e volto a dizer para
mim: não vales nada como escritor sampaio. se não fossem os teus filhos então é
que não valerias mesmo nada. eles são a tua grande obra. o teu grito de edvard
munch. a tua noite estrelada de vicent van gogh. o teu beijo de gustav klimt. o
teu carregador de flores de diego rivera. a tua persistência da memória de
salvador dali… os meus filhos são a minha guernica de pablo picasso. o meu
sorriso de mona lisa. a família de paula rego – os meus filhos são a minha
arte. o meu espelho mágico. porque em cada um deles eu acabo sempre por me
encontrar. e digo: eu também sou assim. eu também faço assim. eu também ando
assim. eu também olho assim – por esta arte minha eu levaria com seta. bala. ou
tiro de canhão – gostava que depois da minha morte a minha casa tivesse uma
lápide pregada à parede. gigante para que fosse fácil o seu avistamento da lua.
e que dissesse: aqui morreu o homem que mais amou os seus filhos em todo o
mundo. paz à sua alma