.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

28/06/2015

aqui estou




foto sampaio rego


aqui estou eu nesta coisa do facebook que serve para dizer o meu estado - para ser sincero não tenho estado. nem alma. nem desejo. nem vontade de ter o que tudo o mundo diz que tem por aqui - juro que não tenho mesmo nada a não ser uma dor que não é dor por baixo de um boca que não sabe falar - não tenho nada mas sinto - sinto uma vontade enorme de me reconstruir. erguer as pernas. endireitar o tronco. acertar os braços com os ponteiros do relógio e acender de novo os olhos do futuro - sinto. sinto uma vontade enorme de dar corda ao coração e voltar a correr nem que seja pelo mar dentro - sexta-feira. 26 de junho de 2015 - estou vivo



26/06/2015

acaso sentiu meu perfume em um beijo que deixei cair?







por acaso você sabe porque o beijo caiu? claro que não sabe. só olhas para o céu. para árvores que dão gaivotas. para estrelas namoradeiras com cometas de cauda gelada. para a loucura dos olhos que pintam tela virgem. para o sol. para o sol que vem das palavras com cheiro a perfume. talvez um campo de malmequeres. talvez uma braçada de rosas no regaço de um futuro que se adivinha – escrever é fazer perfume – no teu perfume tu sabes escolher a primavera com mais sol. mais quente. aquela que basta um casaquinho de lã pendurado no braço para dar segurança à chegada da noite com aqueles ventinhos húmidos do coração – no andar sobressaltado. pé ante pé. os olhas só sabem olhar o céu. no tremer das mãos seguras os beijos que guardas envoltos em perfume da vida – deixaste cair um – os beijos não voam como balões. este tombou a teus pés – debruçado no chão procuro o beijo que te escapou da memória em perfume – ele está aqui. sinto-lhe o perfume


12/06/2015

a vida de uma analepse




foto - sampaio rego
 
 
 
é noite e tenho dentro de mim uma analepse desvairada. orgásmica. banhada num suor lascivo de luxúria. grita desesperadamente por acasalamento – procura um substantivo capaz de fazer acontecer uma história no presente – sempre que vê uma figura ajanotada. com estilo. sorri. acicata. levanta a saia dois dedos acima do joelho. mostra um pouco da zona erógena. abre dois botões da blusa. e deixa o colo insinuar-se em rendas namoradeiras – mas uma analepse será sempre uma analepse. feita de tempo passado. carrega consigo todos os averbamentos da vida: o bom e o mau. a alegria e a tristeza. o certo e o errado. e em desespero olha o futuro apenas para prolongar a existência do que está para trás – a falta do destino é a sua essência – desesperada por encontrar o amor da sua vida. oferece-se como se de uma qualquer se tratasse – precisa urgentemente de alguma coisa que a preencha. um substantivo fálico capaz de averbar à sua vida uma mensagem nova. uma nova arte gramatical. palavras modernas. confiança para o inesperado – a urgência é cada vez mais urgente. ela sabe que a vida é um relógio que não para de contar – nenhum relógio anda para trás – precisa de futuro. precisa do imprevisível. do intempestivo. do surpreendente. do inovador. do revigorador. está farta de ser apenas uma analepse – acredita que um dia. no futuro. vai encontrar o amor da sua vida –sonha com um pequeno conto da sua vida. um verso. um soneto só seu. nem que seja escrito num guardanapo de papel – importante mesmo é que seja um amor eterno como o de shakespeare. ela julieta e ele romeu. envenenados pela eternidade das palavras de hoje – carente. sente a luxúria a invadir cada parte íntima do seu corpo – há um substantivo que não lhe sai da cabeça. um que dá nome a todas as coisas belas do mundo – como é possível querer amar tanto um substantivo que nem sequer conheço – o momento é único. nunca se sentiu assim. é como se encerrasse numa única palavra capaz de dizer tudo sobre o amor de uma vida – gosta agora mais do que nunca de todos as formas verbais capazes de dizer coisas. coisas que muitas vezes ninguém percebe – sabe que só as palavras lhe permitem dizer ao mundo que ainda está viva – um dia terei um substantivo com futuro só para mim – sente agora um friozinho que não sabe explicar enquanto que o corpo treme como se estivesse dentro de um conto de allan poe – não está. nem nunca estará sabe que é uma analepse simples a viver rodeada de histórias que não lhe pertencem – sabe apenas que ama. ama porque para se narrar pequenas ou grandes histórias tem que se ter um grande amor pelo que a vida oferece – um dia prometo-vos que deixarei de ser uma analepse nem que para isso me entregue definitivamente aos poderes da terra e do fogo – arderei e lançarei toda a minha história ao mar – serei então tempo presente e terei o vosso perdão



01/06/2015

desabafo na janela da minha cidade




foto - sampaio rego
 



na minha cidade não há metro. nem buracos no solo a trazer gente de toda a parte do mundo – na minha cidade homens carrancudos conduzem automóveis familiares com autocolantes no vidro traseiro a informar: cuidado! bebé a bodo – se a minha cidade fosse londres tenho a certeza de que haveriam muitos metrossexuais a conduzir automóveis com o volante à direita  – na minha cidade os automóveis circulam com o volante á esquerda e com condutores de bigodes fartos sentados também à esquerda – londres tem metro. tem escadas rolantes a regurgitar gente sisuda do centro da terra a toda a hora – na minha terra só há escadas rolantes nos centros comerciais com gente a subir e descer para não ir a lado nenhum – estou em crer que em londres as crianças não nascem nas maternidades. nascem no subsolo – talvez por isso cheguem à superfície enormes e de óculos escuros. não aguentam a luz – na minha cidade as crianças ainda nascem em maternidades com parteiras vestidas de branco com o estetoscópio pendurado no bolso do lado do coração onde as crianças choram pelas mães. choram de fome. choram pelas mamas carregadas de leite. enquanto passeiam em jardins enfeitados de jasmim – em londres as crianças não choram em jardins. nem choram pela mães. choram com amas em creches cercadas de medo – na minha cidade os jardins tem bancos pintados de vermelho com velhinhos a jogar às cartas com os dedos queimados de cigarros enrolados à mão – em londres os jardins estão mortos de solidão e são tão minúsculos que não aguentam velhinhos a jogar às cartas – na minha cidade as crianças demoram a crescer e são mimadas pelos pais com guloseimas compradas nas portas das igrejas – em londres as crianças não sabem que são crianças e não sabem que há guloseimas às portas das igrejas – na minha cidade os polícias circulam em carros a passo de tartaruga com as sirenes desligadas enquanto os ladrões enganam velhinhas com histórias de outros mundos – em londres os carros da polícia correm pelas ruas a grande velocidade enquanto os malvados arremessam bombas a autocarros apinhados de gente do subsolo – na minha cidade os sinos tocam sempre a chamar pelo nome – hoje morreu o amilcar padeiro. não aguentou a partida da mulher. coitado. com os filhos ainda tão pequenos – em londres os sinos não se ouvem pela falta de nomes – na minha cidade há gente que escreve como eu. sentado para uma janela que não dá para lado nenhum imaginando um mar onde as gaivotas são feitas de palavras que de tão pequenas os únicos olhos que as sabem ler são de quem escreve à janela de um mundo imaginado – em londres tenho a certeza de que há gente como eu a escrever para uma janela que dá para uma cidade como a minha – na minha cidade um dia vamos fazer um metro para trazer londres para aqui – hoje há sol na minha cidade – será que há sol em londres?