31/03/2023
24/03/2023
22/03/2023
hoje comemora-se o dia do pateta. que é quase poeta
que dia foi este o da poesia. fico sempre sem saber se me atire abaixo da
janela. ou mando a canzoada ladrar enquanto a caravana passa – mas é assim.
hoje temos dias para tudo. só não temos dias para alguns totós que teimam em
dizer que escrevem poesia – se mandasse na UNESCO. nessa malta que inventa dias
para tudo. hoje seria o dia dos que não escrevem poesia – quem sabe se essa
gente vaidosa e tresloucada. antes de começar a escrever. começasse a ler – o
primeiro livro que aconselhava seria o da humildade. e não são assim tantas
páginas. lê-se de uma penada – quando lemos boa poesia. pelo menos no meu caso.
sobe-me uma vergonha por mim acima. fico às portas da morte – depois fico a
pensar: o que ando aqui a fazer? deveria ter decoro. sou tão mau – e não estou
a ser humilde. sou mesmo mauzinho. vá lá. em vez de mauzinho. talvez seja
refugo – a minha sorte é que anda por aí muita gentinha que nem a refugo chega.
e acaba por me salvar. torna-me menos mauzinho entre os maus – eu sempre me
neguei a escrever poesia. às vezes faço uma incursão por essa arte. mas
depressa volto para a minha prosa. esbaforido.
escancelado. com as mãos juntas. a pedir perdão eterno aos poetas – a
prosa protege-me – todos aqueles que sabem juntar as letras são escritores. não
importa se bem ou mal. com erros ou sem eles. o importante é ir andando.
escrever para reinar no nosso quintal – em prosa podemos escrever dez páginas
para dizer o que a poesia diz numa palavra.
podemos escrever sem parar. contar histórias verdadeiras ou falsas. numa
passagem de papel. ou numa resma. criar hipérboles gigantescas. e com tanto
exagero. até acreditamos que chegamos ao olimpo. como se fossemos um escritor a
sério. e aparece o eugénio. e logo chega o pessoa. e mais a sophia. e quando
damos conta somos mais de cem. todos poetas. todos menos eu. que escrevo prosa
e não é coisa fina – já escrever poesia é coisa fina. quem a escreve é poeta. e
nem toda a gente que escreve poesia é poeta. a maior parte das vezes é pateta.
é malta que não lhe chega um banco e quer um escadote. é malta que começou a
escrever há dois dias e já transporta o estandarte de criador de arte – esta
malta arrogante. não gosta de poesia. gosta de coisas fáceis. quer gastar as
palavras. quer notoriedade no seu quintal. na sua rua. no seu grupo de amigos
que também nunca leram poesia – é muito mais fácil de enganar o parolo. ou a
família. que nos ama incondicionalmente – o dia da poesia é hoje comemorada por
uns quantos pseudos qualquer coisa. que
nunca leram um poema. que nunca compraram um livro de poemas. que nunca se
interrogaram: para que serve a poesia? e a resposta é tão simples: a poesia
serve para tornar a nossa vida mais bonita. tornar o mundo mais belo – claro
que podíamos dar uma resposta mais douta. mais rebuscada e dizer: “A Poesia é
um texto poético, geralmente em verso, que faz parte do gênero literário
denominado "lírico". Ela combina palavras, significados e qualidades
estéticas. nela, prevalece a estética da língua sobre o conteúdo, de forma que
utiliza de diferentes dispositivos fonéticos, sintáticos e semânticos.” – com
esta definição de poesia noventa e nove porcento dos que se dizem poetas
deixariam de o ser – há hoje uma vaga de poetas que não quer o mundo mais
bonito. querem-se a eles mais bonitos. tornam-se rapidamente vaidosos.
arrogantes. e pouco dados ao recato intelectual. preferem o festão. o pimba das
letras – por isso não comemoro o dia da poesia. comemoro o dia dos poetas.
porque esses. não me tentam aldravar. esforçam-se. transpiram. e diariamente
lutam por cada palavra. porque sabem que para cada palavra bem apurada. nasce
um poema de encantar. e o mundo fica mais bonito
21/03/2023
dia mundial da poesia
hoje comemora-se o dia mundial da poesia. um grande dia para a
humanidade – mas eu. que não sou poeta. prefiro comemorar o dia do pateta. que
é quase poeta – será amanhã. e não sendo um grande dia. é este que festejo. pois
é este que faz de mim um não poeta. mas que ama os poetas de verdade
18/03/2023
pai. se fosses vivo farias cem anos
I.
pai. em agosto se
fosses vivo farias cem anos. estaríamos todos em festa. em boa verdade. tu sempre
foste festa. sempre festejaste a família. os amigos. os teus colaboradores. celebraste
a vida com todos aqueles que tiveram a bem-aventurança de privar contigo – a 5
de agosto teremos apenas mais um motivo para te lembrar. brindaremos a tua
chegada à vida. e também faremos um brinde especial a todos os nossos
antepassados afinal. eles são a razão de continuarmos a existir como família – este
ano. seremos todos centenários. porque todos vivemos em ti
II.
mas março é para
sempre o nosso mês – partiste a 17 de março e escondeste-te de nós a 19. dia do
pai – que raio de dia foste tu encontrar para te cobrires de terra – esta
semana voltei a sonhar contigo. estavas muito doente. atormentado. os olhos
escondidos numa escuridão magoada. com medo. e a face moldada a um sofrimento
terrífico. como se fosse esculpido a navalha. e a pele a resistir desesperadamente.
a gritar dor. a gritar ajuda. e a alma fundeada nos olhos. a querer imergir. a
implorar milagre – tinhas uma mão caída para o chão. a outra chamava por mim. por
nós. enquanto os teus pés teimavam em fugir de ti. de nós. como se já soubessem
que o tempo das nossas coisas estava a terminar – e tu ali. sentado naquele
sofá. marcado a escaras. a sofrer como um herói. o meu super-herói. o nosso. e
o relógio de sala também ali. a sofrer contigo. encostado às horas. firme.
contando cada segundo. cada respiração bracejada. rodando os ponteiros para o
fim da corda numa dor rangida a dignidade – o big ben da nossa casa já não dava
horas. dava dor. dava raiva por não haver forma de te fazer anjo antes do
coração parar de bater – e as pancadas incertas. como se cada minuto pudesse
trazer o fim da tua imortalidade – o ceifeiro à janela. a gozar comigo. a balançar
de um lado para o outro. com os olhos incendiados de gozo. em grunhidos lascivos. dizendo: já não falta
muito. já não falta muito. já não falta muito – o teu deus abandonou-te – que deus
permite o sofrimento de um seu filho? não sei meu pai. não sei nada do teu
deus. o que sei é que o enterrei contigo – nesse dia. em que o tempo parou. morrestes
os dois. e nunca encontrei perdão para o ressuscitar – meu pai. meu pai. meu
pai. sofreste tanta dor. e eu. nós. sem te poder valer – só queria ser mágico. apagar
as imagens de sofrimento que gravaste em mim. à navalha também. porque sou
carne da tua carne. serei sempre carne da tua carne. serei sempre o teu filho
mais novo. o mais traquina. o mais irrequieto. o que mais te zangou –
envelheci-te. era demasiado jovem. e tu meu pai. demasiado adulto – que raio de
ideia de me trazeres para o pé de ti tão tarde. os meus irmãos tiveram-te forte
e jovem. enquanto eu. tive-te sábio e doente – não é justo meu pai. podias ter
feito a coisa pela metade. não te tinha tão sábio. mas talvez tivesse visto em
ti os braços fortes. ou a esperança – um homem novo caminha com a esperança nos
olhos. no futuro – acreditei que iriamos envelhecer juntos – agora. sei que a
juventude torna tudo imortal – ser jovem é uma ilusão boa. o problema é que
envelhecemos. e tudo o que guardamos se torna frágil. quebradiço – na vida é tudo
tão quebradiço e volátil – eu já envelheci meu pai. passaram vinte e cinco anos.
e a esperança também envelheceu. ficou frágil. está quase igual à tua – a
verdade. é que um dia todos temos que partir para o universo profundo. para nos
fazermos pó. para nos juntarmos a mais pó. para encontramos novamente o nosso
pó. e viver a eternidade com o que é nossa há séculos e séculos: a família. agora
em paz e sem dor – meu pai. neste mundo sofrido que me deste. eu resistirei. e quero
que saibas que viverás na minha eternidade – sempre acreditaste que um dia.
quando já estivesses muito velhinho. junto com a mamã. irias terminar os teus
pequenos afazeres para a tua casa na aldeia. sentavas-te naqueles bancos de
ferro e ali ficavas a ver os pássaros de ruy belo nascer nos ramos das árvores –
mas não. fiquei eu com os bancos de ferro. e ali me sento. a fingir que és tu. e
ali fico a conversar sozinho. como adulto. como filho. como teu filho – eu sei
que andas por aí. eu sei meu pai – um pai nunca morre. anda por aí – é então
que te dou a mão e peço para me levares a ver a morte do teu senhor nas
procissões da semana santa. como se os dois pudéssemos voltar à esperança.
voltar aos sorrisos. voltar a sentir-me seguro e imortal a teu lado – mais cedo do que tarde todos
temos que partir. o teu senhor partiu pregado a uma cruz. e tu meu pai. pregado
em mim. por nunca te poder valer – os teus ossos enrodilharam-se. e a tua
memória abalou amarrada a uma das minhas gaivotas. e voou. e voou. e voou. até
os dois deixarmos de a ver – ficamos ambos num vazio. sem esperança – um dia. deixaste
os olhos fechados de vez. e eu não aguentei. fechei também os meus. ficamos
apenas com os corpos pendurados um em frente ao outro. como trapos. como se
tivéssemos os dois prontos a evadirmo-nos do mundo. eu com os olhos no chão.
com os olhos de rastos. a morrer como tu. a querer morrer como tu. a querer que
o mundo acabasse para todos. e ficássemos a vaguear pelo universo. como pó. mais
nada do que pó. nada que tivesse peso. nada que me fizesse humano. nada que me fizesse
sonhar. nada que me fizesse voltar a sofrer – queria ficar para sempre estrela.
e morrer todos os dias. morrer a cada aurora. a cada raio de luz. a cada
esperança maldita – e a mamã ali a nosso lado. em agonia. numa dor-amor de
cinquenta anos. cansada de te ver morrer aos pouquinhos. em cada volta da
terra. perdias sempre mais alguma coisa de ti. esquecias-te sempre mais um
pouco de nós – um dia percebemos que já não tinhas mais nada para perder.
encutinhaste-te na dor e ali ficaste a remoer contigo – e a lolinha e o zé
alberto ali também. sem nada saberem de ti. sem saberem onde te escondeste –
bem que procuramos todos. atrás da senhorinha. debaixo da cama. dentro do
guarda-joias que compunha a cómoda. nas gavetas da mesinha de cabeceira. procuramos-te
em todo lado. e nada. tinhas ido de vez. deixaste-nos a saudade. que guardamos
para sempre – queria tanto que pudesses estar ainda perto de mim. queria tanto voltar
a ouvir-te. queria tanto voltar a ver-te sorrir. queria ser adulto a teu lado –
meu pai. tenho saudades tuas. e também já não estou forte. estou um pouco mais
sábio. não como tu. só aprendi a fazer uns poemas e a escrever umas cartas. estou…
assim assim. como direi? com a esperança quebradiça – escrevo. não quero que te
esqueçam. quero-te vivo. mesmo que continues escondido eu continuarei a
segura-te. a pôr-te de pé. a ajeitar o nó da gravata. a vestir-te o casaco. a desenhar-te
em papel. e a perguntar porque não me fizeste mais igual a ti – meu pai. meu
pai. meu pai. não consigo perdoar a quem nos estragou a velhice. a minha e a
tua. a nossa – sabes. nunca mais foi capaz de meter uma moeda naquelas
caixinhas de esmolas. onde dormem os santos e todos aqueles que em vida só
fizeram bem – tu também só fizeste bem – quando estavas muito doente. fui a
casa do teu senhor e entrei. encontrei apenas silêncio e uns quantos homens de
deus mudos e quietos. cada um virado para o seu pedaço de céu. o que lhes dava
vida era a luz apanhada nos vitrais. coloria-os com generosidade. dava-lhes
alma e piedade – à entrada havia uma caixa a pedir esmolas para as missões e
outras causas que já não me lembro. enquanto que cada servo de deus. tinha a
seus pés uma caixinha de trocas: tu dás-me uma moeda e eu dou-te esperança –
creio que deitei moedas em todas. e numa dessas caixas milagrosa meti uma nota.
grande para ser notado. e dizia: santo das causas impossíveis – foi uma questão
de fé. e pensei: este é dos meus. nunca se dá por vencido – não te queria
perder meu pai. nunca tinha perdido nada. a não ser o teu relógio ómega que um
dia levei para jogar à bola no campo da feira – ficas a saber que já tenho um
igual. e este será para sempre nosso. passará de pai para filho. dei a mesma
corda que tu lhe davas. e deixei-o a contar o nosso tempo de saudade – quero
que saibas que a nossa família vive naquela corda. e naquela contagem de tempo
todas as memórias estão a salvo dos males do esquecimento. os teus netos são
agora os guardiões – mas nada. nenhum santo me falou e anjo muito menos. tudo
continuou dor e desespero – só o silêncio enchia a casa do teu deus. e todas
aquelas imagens a olhar para o infinito. como se me dissessem: nós não podemos
fazer nada. quem manda é o chefe. está lá em cima – que raio de chefe tu me
arranjaste meu pai. ou tem muito que fazer. ou então. é um daqueles lambisgoias
maniento. dos que só dão um presunto a quem lhe der um porco – que se lixe o
senhor teu deus – quem faz mal aos meus. faz-me a mim – em agosto farás cem
anos. em agosto comemoraremos todos o teu centenário. em agosto juntaremos a
família. toda. e falaremos de ti. falaremos muito de ti. principalmente aos teus
novos netos e bisnetos – viverás em nós para sempre
13/03/2023
desilusão
"...afinal tudo o que é desilusão não passa de um pedaço de terra desabitado.
uma porta fechada para um quarto vazio"
gratidão
filme
entrar no filme certo da vida requer habilidade.
conhecimento. inteligência. e porque não uma pitada de sorte – sempre ouvi
dizer que a sorte dá trabalho para caraças. a ventura não nasce para todos. não
– é fundamental ter ao nosso lado os atores certos para um filme único. sem
ensaios. sem cortes. sem homem ponto. sem holofotes. sem pancadas de molière.
sem merda. nada do que é feito tem volta atrás
10/03/2023
sou-te o quê afinal - veneno
sou-te o quê afinal
se o amor for carnal
mas se a carne
apodrece
e se a morte
acontece
a quem
envelhece
que se lixe este
mundo
quero-te deusa
quero-te deusa do
amor
do meu amor
e de mais
ninguém
e por mais céus
que vigies
por mais rezas
que te façam
por mais
promessas que ofertem
serás a minha
deusa
imortal
por eu estar
vivo
mas se partir
por um punhal ofendido
que se lixe o
olimpo
quero-te morta
a meu lado
eu romeu
e tu… julieta
envenenados de
nós
neste mundo obsceno
o teu amor será meu
mas se o tiver
que repartir
então…
matarei o amor
e o amor
nunca mais será
amor
será dor
e será com essa
dor que partirei
envenenado de
ti