.................................................................................não tirem o vento às gaivotas

30/12/2022

2022 já era. agora venha o 2023

 




o ano 2022 está a terminar tão bem que não tenho pressa em sair. mas também não quero perder mais tempo. o que lá vai. lá vai – quero que este 2023 chegue como chegam todos os anos. sem nada mudar para além do calendário – em 2023 quero lembrar com saudade os cem anos que o meu pai faria se fosse vivo – quero também lembrar os que já partiram: a minha mãe. a minha cunhada zeza. o meu sogro joão. e o meu tio joão – quero continuar com os novos amigos deste último ano. porque vieram por bem. e comigo viveram dores e risos – aos amigos de longa data quero o que sempre quis. saúde para os ver envelhecer. um amigo envelhecido é muito melhor camarada – em 2023 quero amar os meus filhos ainda mais. um pai quer sempre mais. quero ser mais forte. mais risonho. e mais mágico. o mundo precisa de magia – quero que as minhas noras sejam ainda mais felizes com os meus filhos. se assim for. celebraremos a comunhão das famílias – para os dois meus netos quero que aprendam a ser felizes com o conhecimento. e que os seus pais estejam sempre presentes no seu crescimento – para este novo ano quero a minha maria joão a sorrir mais. com mais abraços. mais bonita. mais enrodilhada em mim. quero a bem-aventurança. a cumplicidade. a constância na provação – quero o meu corpo em paz. e a mente sossegada – quero amar como nunca amei a minha família. quero saúde para os meus irmãos e sua descendência – em 2023 temos todos que perceber que é possível gostarmos ainda mais uns dos outros – quero ser mais desabrigado de mim. quero-me de janelas abertas. quero abril para comemorar o meu aniversário. quero editar o meu primeiro livro – quero que a bondade prevaleça em cada gesto. quero o meu universo mais vulnerável para que possamos estar mais próximos uns dos outros – borges um dia escreveu: cometi o pior dos pecados de um ser humano. não fui feliz – não cometamos nós o mesmo erro do borges. vamos fazer de 2023 um ano encantador. o ano de todos os anos

 


23/12/2022

poema de amor para o meu amor

 







nunca soube escrever cartas de amor

às vezes escrevo poemas de amor

se forem pequeninos

dois ou três versos.

mas nada de emparelhamentos

nem rimas cruzadas

coisa simples

e fácil de transportar

como um porta-chaves

ou algo do género

mas hoje sinto-me…

como hei de dizer?

transgénico

sinto-me poeta

sinto-me pessoa

e quero compor um poema de amor

para o meu amor

mas juro

não sei como começar

e interrogo-me:

o que tem que ter um poema de amor?

tem que ter amor

paixão

veneno para se morrer

tem que ter luz

olhos apaixonados

e promessas cumpridas

 

mas amor

em mim não há palavra ajustada

nem rima acertada

bem queria que rimasse com versage

que é alta costura

e coisa com classe

mas é o que é

e mesmo sem rimar

o que sei por escrito do fernando

é que todos os poemas de amor são ridículos

acabamos às voltas

com palavras para lá e para cá

algumas de tão curtinhas acabam por nada dizer

outras…

ficam tão compridas

que o amor fica todo amalgamado.

meladinho e tonto

por isso este poema de amor

[e só eu é que o chamo assim]

é para ser declamado

por um louco

apaixonado também

para que as palavras

corram mais acertadas

com paixão

menos tontas e meladas

e mesmo aquelas que [te] parece[re]m

despidas de tino

devem ser perdoadas

afinal um coração apaixonado

raramente diz coisa com coisa

mas se não houver louco para declamar

que seja um cavaleiro andante

e que traje versage

que é coisa fina

e da alta costura

mas amor

este nosso poema

é também a nossa vida

prometida

no bem e para o mal

e até que a morte nos separe

 


13/12/2022

pedras 7

 






[7 pedras. 7 dias da semana]


1.

perseu era meio homem meio deus. eu sou meio parvo meio escritor. que melhor comparsa poderia ter eu encontrado para me caracterizar? perseu era um guerreiro-herói. cortou a cabeça a medusa. acabando com a maldição de quem a olhasse nos olhos se transformasse em pedra – eu não sou guerreiro. nem herói. nem nunca transformei ninguém em pedra. mas acreditem. já arremessei palavras como se fossem pedras – mas hoje confesso-vos. estou enojado de tanto escrever sobre calhaus. e por via desse nojo. esta saga. 7 pedras. 7 dias da semana. terá hoje o seu fim. a bem. ou no desenrasca – no entanto. e como gosto de escrever. sei que todo o fim encerra em si um recomeço. e não tendo ainda acabado em definitivo este embaraçado de pedras. já fervilho pelo próximo desafio – e agora. do alto dos meus mais de vinte aniversários a passar-me para papel. e porque toda a escrita é autobiográfica. posso dizer-vos. continuo inconformado com o que escrevo. diria mesmo. zangado. profundamente zangado – escrever é a minha fantasia. e também o meu maior pesadelo – já ultrapassei mais de metade da minha esperança de vida. e a única cabeça que cortei… foi a minha – porém. nunca devo ter feito um grande trabalho. pois sempre que a corto. ela volta a pendurar-se no pescoço – o que me aborrece. é que volta como se nada tivesse acontecido. como se não tivesse culpa do que me fez ver. do que me fez fazer. e principalmente. do que me fez não fazer – “cabeça de vadio é hospedaria do diabo” – se os homens refletissem um pouco mais sobre sabedoria popular. a sua vereda não seria tão magoada – ao princípio. enquanto jovem e parvo. sempre quis acreditar que todos os caminhos iam dar a roma. não é verdade. alguns não nos levam a lado nenhum. entretém-nos para envelhecermos iludidos no tempo – a juventude é feita de escolhas. de carreiros e avenidas. de inconsciência. leviandade. erro. pouco cérebro. muita barriga. e também muita imortalidade – agora. recrimino-me e interrogo-me: porque fui por ali e não por acolá? se tivesse ido por ali talvez tivesse envelhecido devagarinho. e um homem envelhecido com o vagar do tempo sabe sempre o melhor caminho para chegar a roma – não tenho certeza de que se tivesse tomado outro caminho não me tornaria num ser humano bem pior. podia ter sido um mau pai. um mau filho. um assassino em série. um vagabundo. um viciado em drogas. um sem abrigo. um analfabeto. o que pode ser pior do que um analfabeto? nada – enfim. podia ser qualquer coisa bem mais trágica – bem sei que estou a dar exemplos extremos. os piores dos piores humanos. mas eu gosto de extremos. sem eles ficaria aqui a passar letra de um lado para o outro. a esticar palavra como quem estica fio – vivo agora uma dúvida permanente e arreliadora: o que serei eu se nada do que sou me parece digno de ser? existirá algo no que não sou? poderei ser um dia suficientemente bom com tanta coisa má? quais as incertezas que fazem de mim um iluminado. ou um louco à porta do manicómio? gostava de ter certezas. mas não tenho. talvez por isso viva constantemente um desassossego absoluto. como direi? um desassossego profundamente dorido. que nasce com o escuro e sobrevive com a alvorada – agora. quando não escrevo envelheço. e peço a santa bárbara não para me proteger das trovoadas. mas que encontre um raio que me ilumine o caminho das palavras – e aqui estou. sentado a escrever para não envelhecer. olhando pela minha janela o que resta do mundo. e mesmo que o céu tenha descido mais um pouco até mim. resisto escrevendo-me – sei agora que preciso de escrever algo que sobreviva ao meu tempo. ainda não fui capaz. mas acredito que um dia. envelhecendo um pouco mais. ficando mais lúcido. mais sábio. acabarei por o fazer – até no delírio é necessário acreditar – nada do que fui será futuro. mas não haverá futuro sem nada do que fui – envelhecer é a única forma de gastar o tempo – e aqui estou. a escrever. nesta encruzilhada. com o tempo de trás a teimar em passar para a frente. sem vagar. sem parar. sem piedade. às vezes imoral. carrasco. a informar com subtileza que o caminho é agora curto. e o corpo a dar de si. a cabeça a dar de si. sem saber se sonhar é doença. ou devaneio que vem de nascença – vivo este pavor. como se em mim nada mais pudesse acontecer de novo. dorido. num cotejamento animalesco com o dia de amanhã. anotando as rugas como glosas. dando pontos cruz com cada cabelo esbranquiçado. com cada noite amedrontada. com cada interrogação que encrosto no que temo – e o medo de não ser capaz a agigantar-se. a plantar-se nos ossos. nas articulações. nas falanges distais. e o cérebro aos tombos. a cair sem saber para onde. e os dedos cegos a tatear teclas. a escrever: já não serei capaz. já não sou eu. já não sou o rapaz de dezoito anos. nem o de trinta. muito menos o de quarenta. arrasto-me. medro para dentro. desapareço em olhos encovados num negro trágico e supremo – escrever é um terror. que se repete numa rotação que gira em volta da falta de tempo – que o universo me atire um cometa contra esta couraça de letras agoniadas… e me desfaça num ponto final

 

2.

preciso sobreviver ao passado. preciso viver o presente. preciso esconder-me do tempo. preciso de evadir-me deste corpo – tenho que sair de mim. mas se não souber ou puder. minto-me. finjo que saio. e mesmo fingindo. e sabendo que estou fingindo. tenho que acreditar que saí. e o que vejo e sinto. se não for real. não quero saber. é o mundo que criei e onde escrevo – e agora. o que quero mesmo que viva neste ponto final das pedras 7. sou eu. assim como sou. mesmo fingindo. porque para fingir eu tenho que ser qualquer coisa. qualquer coisa que pensei. vi. ou sonhei – e por cada segundo que vivo fingindo. ou sonhando. a minha torre de babel aproxima-se do universo – que nada em mim se desmorone. que nenhum pranto se faça pelo que não fui capaz. e que nenhuma estrela se apague no que de mim ficar – quando o corpo tiver sumido ao fogo. a alma habitar o universo. e o meu eu terreno sobreviver nos vindouros. então sei que escrevi mais do que uma palavra. mais do que uma inteligência. mais do que um par de olhos. mais do que um livro. e mesmo não sendo tudo o que senti. o que sofri. o que amei. saibam sobre palavra de honra. de que fui sempre mais do que as pedras que carreguei. fui também. e em absoluto… o espaço vazio entre elas – escrevo para continuar a viver em cada neto. em cada bisneto. em cada coração que bata como bate o meu – uma família não nasce repentinamente. demora quatro a cinco gerações a formar-se. a tornar-se forte. a aceitar-se tal como é. a conhecer os seus defeitos. as suas virtudes. a sua forma de caminhar. de gesticular. de olhar. de tocar. de dizer olá. de falar do que sente… porque o que sente faz parte de uma viagem que ninguém sabe onde começou – não podemos parar de sonhar. de resistir quando o corpo estiver cansado. de não resignar quando acreditamos que estamos certos. de equilibrar a balança porque só assim se equilibra a existência. de lutar até à exaustão. e de saber morrer como as árvores. de pé – uma família tem obrigação de recordar os que já partiram. de os lembrar com saudade. e de renovar diariamente os votos de lealdade ao seu nome – só assim seremos uma família absoluta. trazemos de todos um pouco. e de todos nos fizemos assim como somos. únicos